Lembro que quando era criança frequentava o catecismo e ouvia da catecista uma certeza: Jesus nunca tinha sorrido. Era uma forma de demarcar bem que ele não era uma pessoa normal, mas um ser divino. E um ser divino não podia sorrir, já que o riso estava mais próximo do pecado e do diabo.
Essa discussão sobre o riso ocupa boa parte do livro O nome da Rosa. Em uma das sequências mais lembradas, o protagonista Guilherme conversa com o monge cego Jorge sobre o assunto. Jorge argumenta que o riso deforma o rosto, tornando o homem semelhante ao macaco.
Guilherme responde que macacos não riem. Só o homem ri, pois o riso é sinal de sua racionalidade.
Jorge implica com o riso porque o mesmo leva à dúvida.
Guilherme responde que a muitas vezes é justo duvidar: "Para minar a falsa autoridade duma proposição absurda, que repugna a razão, também o riso pode ser um instrumento justo. O riso serve amiúde também para confundir os maus e fazer refulgir sua estultice".
É natural que Guilherme defenda o riso sendo franciscano, pois São Francisco não via mal nenhum em rir. Ao contrário, constantemente aproveitava as pregações para cantar e contar histórias divertidas.
Quanto à alegação de que Jesus nunca riu, não há qualquer sustentação histórica para ela. A Bíblia em nenhum momento diz isso. Além disso, em mais de um momento é dito que as crianças adoravam Jesus. Como crianças podem gostar de alguém que nunca ri, que está sempre sério?
Em outras religiões não existe esse horror ao riso. Na religião hindu, por exemplo, o humor e a santidade não são vistos como opostos. O deus Krishna adorava pregar peças, cantar e dançar com as kopis. O deus Ganesha tem uma história famosa. Ele e seu irmão apostaram quem conseguiria dar a volta ao mundo em menos tempo. O irmão saiu correndo. Ganesha só fez dar uma volta ao redor dos pais, pois, para ele, seus pais eram o seu mundo.
No zen budismo as histórias humorísticas fazem parte da prática religiosa. No taoismo, Lao Tsé é constantemente mostrado como um velhinho sorridente.
Felizmente hoje já se vê em muitas igrejas cristãs a aceitação do riso. Mas por que razão isso não aconteceu antes?
A principal razão deve estar no caráter subversivo do riso. Quem ri não tem medo. E quem não tem medo não obedece à autoridade. Assim, a autoridade que se impõe pelo medo (e que não suporta a dúvida e razão) teme o riso.
1 comentário:
Isso é invenção do catolicismo, que aliás só inventou bobagens - e os protestantes ficaram com muitas delas. Não só Deus tem senso de humor, como o próprio apóstolo Paulo afirmou que a alegria é uma das dádivas que Deus concedeu ao ser humano.
Quanto a Jesus, ele ria, sim. Não apenas ria, como gostava de frequentar festas. Tanto que o ministério Dele começou numa festa de casamento!
Os Evangelhos (pra quem tem olhos pra ver...) mostram Cristo usando de ironia em vários momentos. O Antigo Testamento também é cheio de "ironias divinas". =)
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