Quarteto Fantástico: o gibi revolucionário |
O livro relata uma experiência que parece ter sido fundamental nesse processo. Quando criança, um colega de escola pediu para entrar na turma para vender a assinatura de um jornal. Ele foi tão empolgante em sua explanação que Lee assinou o jornal na hora. Foi além: usou-o como referência em sua atuação profissional nos quadrinhos.
Outro acontecimento que parece ter marcado profundamente o garoto foi uma carta enviada ao jornalista Floyd Gibbons, do Chicago Tribune, um herói nacional por sua cobertura da atuação dos EUA na I Guerra Mundial (ele chegou a perder um olho ao ser alvejado). O jornalista não só leu sua carta, como a respondeu.
Quando comandou a revolução da Marvel nos anos 1960, Lee fez da seção de cartas uma das grandes atrações das revistas: "As seções de cartas da concorrência eram uma chatice só. Se algum leitor reclamava de algo, o editor mandava aquela: 'seria bom você reler a história, pois é evidente que você não a entendeu', mas nas da Marvel nós respondíamos assim: 'Sabe que você tem razão? Na próxima edição publicaremos uma história tão boa que o fará esquecer-se dessa', e os leitores adoravam isso, pois entendiam que sua opinião era levada em conta, que eles eram respeitados".
Lee passou por diversos empregos, inclusive lanterninha de cinema, antes de entrar na editora Timely, com 17 anos. Lá ele conheceu Jack Kirby, o rei dos quadrinhos, que o achou intrometido e tagarela e concluiu que ele só poderia estar ali por ser parente do dono. Quando este e seu parceiro Joe Simon foram para a DC Comics, o cargo de editor ficou vago. O dono da editora, Martin Goodman perguntou a Stan: "Você acha que pode encarar o trabalho enquanto procuro um adulto?". Stan ficou no cargo por décadas.
Nem toda essa época foi boa. Logo depois da guerra os super-heróis caíram em desgraça e até campeões de popularidade, como o Capitão América tiveram de ser cancelados. Para piorar, Goodman vendeu sua distribuidora, passando suas revistas para outra distribuidora, que faliu duas semanas depois. O jeito foi usar o esquema de distribuição da National (atual DC Comics), que colocou uma condição para a rival: só podiam ser publicadas 12 revistas. Para uma editora que publicava 80 títulos foi um baque e tanto.
A Marvel só voltaria a se levantar no início dos anos 1960. Nessa época, Goodman tinha o costume de jogar golfe com os chefões da National, e ouviu de um deles que o gibi da Liga da Justiça estava vendendo muito bem. Ele correu para a editora e encomendou uma imitação para Stan. "Goodman jamais permitiria qualquer ousadia conceitual em qualquer um de seus títulos. Tudo sempre girava em torno de copiar alguma fórmula já pronta, de ir à esteira de algum sucesso do momento, de simplesmente fazer o pastiche nosso de cada dia", escreve Guedes.
Foi a esposa de Lee que o convenceu a produzir o Quarteto Fantástico: "O pior que pode acontecer é o Martin te demitir. E você quer pular fora de qualquer jeito".
A revista foi publicada e se tornou um sucesso absoluto. Além da arte revolucionária de Jack Kirby, em que a ação parecia explodir nas páginas, havia heróis imperfeitos, com personalidade, problemas. E havia a continuidade. Se um personagem quebrava um braço em uma edição, no número seguinte, aparecia com o gesso. Isso tudo junto fazia o púbico vibrar - e faz até hoje.
O livro de Guedes analisa a criação destes e de outros personagens, mostrando os bastidores e detalhado o método Marvel de produção (em que o roteirista entrega apenas uma sinopse ao desenhista e depois coloca o texto sobre a página pronta).
Como não poderia deixar de ser, o livro não ignora as polêmicas, como a suposta briga de Jack Kirby e Steve Ditko com a Marvel e com Stan Lee em particular. O autor não é imparcial quanto a isso. Deixa claro que a saída de Steve Ditko do Homem-aranha se deveu à diferença filosófica entre os dois criadores: Lee era um humanista e Ditko um conservador, que colocava críticas aos hippies nas histórias do aracnídeo e do Dr. Estranho (uma burrada, pois os dois personagens eram os prediletos da juventude da época). Lee mexia nas histórias através do texto. "Não mude minhas histórias!", reclavama Ditko. Um dia se encheu e foi embora. O episódio mostra que Stan Lee não só era um grande roteirista, mas também um especialista em marketing
Quanto a Jack Kirby, Roberto Guedes deixa a entender que a esposa do desenhista poderia ter sido influenciado pela esposa em suas declarações (ele chegou a dizer que havia criado todo o universo Marvel sozinho e que Stan Lee nunca escrevera uma palavra). Mesmo defendendo o biografado, Guedes deixa clara a importância desses dois desenhistas para o sucesso da editora e lamenta a separação das duplas.
O livro, enfim, é delicioso. Li as 160 páginas em dois dias, sem conseguir parar. Contribui para isso o ótimo tratamento editorial: além da bela capa assinada pelo desenhista Seabra, a edição traz miniaturas coloridas das capas da Marvel nos EUA e no Brasil, além de fotos e mais fotos de Lee e outros artistas, sempre com a legenda irreverente de Guedes.
Uma leitura essencial para fãs de quadrinhos.
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