Dentre as várias teorias que tentaram responder a essa pergunta, três se destacam: a teoria do espelho, a teoria do gatekeeper e a teoria organizacional.
A teoria do espelho diz que as notícias são como são porque a realidade assim o determina.
Esse ponto de vista surge influenciado pela invenção da fotografia. O jornalista deveria ser como um fotógrafo: simplesmente relatar a realidade da maneira como ela se apresenta, sem qualquer intervenção subjetiva. Essa visão ganhou seu bordão com uma declaração de um correspondente da Associated Press, em 1856: "O meu trabalho é comunicar os fatos: as minhas instruções não permitem qualquer tipo de comentário sobre os fatos, sejam eles quais forem".
Era a idéia-chave da separação entre as opiniões e os fatos. Ou, como diziam os ingleses, "a opinião é livre, mas os fatos são sagrados".
O filme A primeira página, de Billy Wilder, trata do sensacionalismo no jornalismo |
A teoria do espelho surge em um momento de vitória do paradigma positivista, que pretendia expurgar a subjetividade da ciência, criando metodologias totalmente racionais. Essa preocupação positivista se refletiu no jornalismo na forma de contraposição ao jornalismo literário, em que o jornalista era o porta-voz de uma ideologia. Também foi uma reação contra os excessos do chamado jornalismo sensacionalista.
Segundo José Marques de Melo, no final do século XIX o jornalismo norte-americano havia deixado de ser um serviço para tornar-se um negócio altamente lucrativo. A diretriz passou a ser o sensacionalismo e os princípios éticos mais elementares foram esquecidos. Na ânsia de conseguir a atenção dos leitores, muitos jornais passaram até mesmo a criar notícias. A existência do fato, fator essencial do jornalismo, passou a ser irrelevante.
Na teoria do espelho, o bom jornalista é um observador desinteressado, que relata com honestidade e equilíbrio tudo que vê, cauteloso para não emitir opiniões pessoais.
A teoria do espelho é a bússola norteadora dos manuais de redação e das regras de conduta dos jornais. Parte-se do princípio de que seguir as regras do bom jornalismo (escrever a matéria de forma impessoal, ouvir os dois lados da questão) era garantia de se ter um retrato fiel da realidade.
De todas as teorias que se ocuparam da notícia, essa é talvez a mais criticada. Para começo, suas bases são frágeis. A analogia com a fotografia só demonstra a abertura para a subjetividade, pois mesmo a fotografia pode ser veículo de subjetividade. O semiólogo francês Roland Barthes já demonstrou que a fotografia não é só denotação, mas é também conotação. Processos conotativos, como a escolha das fotos (por que determinado jornal coloca a pior foto do candidato X, enquanto outro jornal publica a melhor foto desse mesmo candidato), a pose e os processos de fotomontagem demonstram que a fotografia não é um retrato fiel da realidade.
Ademais, teorias cognitivas demonstram que o ser humano não consegue captar a realidade em toda as suas facetas e a escolha dos fatos que serão memorizados obedece a padrões subjetivos.
Por outro lado, o filão de investigação que concebe as notícias como construção rejeita as notícias como espelho por diversas razões. Em primeiro lugar, argumenta que, num mundo em que tudo gira ao redor dos meios de comunicação de massa, é impossível separar a realidade da realidade que é mostrada pela mídia. A teoria do agenda setting, por exemplo, diz que as pessoas só discutem aquilo que está na mídia. Em segundo lugar, defende a posição de que a própria linguagem não pode funcionar como transmissora direta de significado inerente aos acontecimentos, porque a linguagem neutra é impossível. Embora o fato seja fator fundamental do jornalismo, sem o qual o mesmo não existe, há uma certa subjetividade e essa subjetividade se encontra na escolha dos fatos. Na escolha das notícias.
Duas outras teorias vão tratar desse processo de escolha de notícias.
A teoria do gatekeeper, originalmente surgida no campo da psicologia e adaptada à análise comunicacional por David Manning White no anos 50, dá ênfase à ação pessoal. White acompanhou durante uma semana o processo de escolha de notícias por parte de um jornalista de meia-idade de um jornal médio norte-americano. A cada escolha, o jornalista, denominado Mr. Gates, deveria anotar as razões pelas quais aceitava ou não uma notícia vinda de uma agência.
White concluiu que o processo de seleção é arbitrário e subjetivo. Assim, de acordo com a teoria resultante do estudo, o jornalista é um gatekeeper, um porteiro, que abre e fecha a porta para as notícias. Aquelas que parecem mais interessante para o jornalista são publicadas, as resultantes são esquecidas.
Generalizando, pode-se dizer que todo jornalista, a todo momento, é um gatekeeper, pois, além das escolhas das pautas que mais interessam, cabe também a escolha dos detalhes que serão publicados. Um profissional pode abrir o portão para determinada informação em uma notícia e fechar para outros. Além disso, há profissionais, como os editores, que têm como função abrir ou fechar o portão para os fatos que serão divulgados, configurando verdadeiros gatekeepers.
A teoria gatekeeper foi duramente criticada por apresentar uma explicação puramente psicológica para a questão das escolhas das notícias e esquecer aspectos sociais. O enfoque sobre a ação social seria dado pela teoria organizacional. Criada por Warren Breed, essa teoria insere o jornalista no seu contexto mais imediato: a organização para a qual trabalha.
Breed dá destaque para os constrangimentos organizacionais pelos quais passam os jornalistas e considera que estes obedecem muito mais as normas e a política editorial/política da empresa, do que seus impulsos pessoais na hora da escolha das notícias.
Como exemplo disso, em estudo realizado em Portugal por José Luís Garcia, 90,6% dos jornalistas daquele país revelaram já ter sofrido algum tipo de pressão no exercício de sua profissão. Essas pressões eram de origem externa e interna. Entre as pressões externas, a maioria provinha de grupos interesse político-partidário (85,8%), seguidos por grupos empresariais e governamentais. Essa pressão, entretanto, não é direta. Ao jornalista inexperiente não é informado o que ele deve ou não deve fazer. Ele o aprende aos poucos, através de um sucessão sutil de recompensas e punições. Assim, o jornalista aprende a antever aquilo que se espera dele, a fim de obter recompensas e evitar penalidades.
São raros os jornalistas que se colocam contra a linha política/editorial da empresa. A maioria se conforma com ela em decorrência de vários fatores. Entre eles: as punições e recompensas; o sentimento de estima para com os superiores e o medo de magoá-los; a vontade de crescer profissionalmente (jornalistas que se adequam à linha política/editorial da empresa têm mais chance de chegar a cargos de chefia); o prazer da atividade (os jornalistas, apesar de não perceberem altos salários, estão geralmente satisfeitos com sua atividade e sentem que estão contribuindo de alguma maneira para a melhoria da sociedade).
Um outro tipo de pressão é o tempo. Quanto menor for tempo de escolha do jornalista, quanto mais próximo ele estiver do deadline, maior será a influência da organização sobre ele. O fator tempo, portanto, transcende a ação pessoal do jornalista e pode ser inserido nos constrangimentos organizacionais que assimilam o jornalista à política organizacional.
As teorias organizacional e gatekeeper não pregam uma volta ao sensacionalismo anterior à teoria do espelho, mas demonstram que toda notícia é apenas uma versão dos fatos, e nunca a versão definitiva dos mesmos.
Para ir além
BARTHES, R. A Mensagem fotográfica. In: LIMA, L. C. Teoria da Cultura de Massa. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
SOUSA, J. P. Teorias da notícia e do jornalismo. Chapecó: Argos, 2002.
TRAQUINA, N. O estudo do jornalismo no século XX. São Leopoldo: Unisinos, 2001.
Sem comentários:
Enviar um comentário