“Não sabemos quanta capacidade de criação é morta nas salas de aula”
Alexander Neill
Em
oposição à pedagogia tradicional, que tinha como valores a disciplina, a
transmissão de conteúdos do professor para o aluno e a memorização,
surgiram vários paradigmas educacionais propondo novos pontos de vista.
Um deles foi a educação humanística, também chamada de não-diretiva,
representada pelo escocês Alexander Neill e pelo norte-americano Carl
Rogers.
Nessa abordagem o aluno não é um simples depositário de conhecimentos e
a função do professor não é apenas transmitir informações, mas
principalmente criar condições para que os alunos aprendam.
Para esse paradigma, o objetivo da educação é a realização plena do ser
humano e o uso pleno de suas potencialidades e capacidades.
O homem é visto como uma totalidade, um organismo em processo de
integração, uma pessoa na qual os sentimentos e as experiências exerçam
um papel muito importante, como fator de crescimento. Enquanto na
educação tradicional, o professor deve se manter o mais distante
possível do aluno, e não deve se envolver emocionalmente, na educação
humanística só há aprendizado quando há envolvimento emocional.
Essa postura não aceita qualquer projeto social que seja baseado no
controle e na manipulação das pessoas, ainda que isso seja feito com a
justificativa de “tornar as pessoas mais felizes”. Ao contrário, as
pessoas devem ser acostumadas desde pequenas à autonomia e a assumirem a
responsabilidade das suas decisões pessoais.
Na escola de Summerhill, que Alexander Neil fundou e dirigiu durante
anos na Inglaterra, todas as decisões importantes eram tomadas em
assembléias aos sábados, em que participava toda a comunidade acadêmica,
do diretor aos alunos mais jovens. Ali todos tinham direito a um voto.
Eram nessas reuniões que se estabeleciam as regras da escola: quando e
como ver televisão, a que horas ir deitar, quando acordar, qual a
próxima peça de teatro a ensaiar, que comida a maioria prefere, o que
fazer com a menina que gosta de quebrar janelas...
Segundo Rogers, o indivíduo é capaz de dirigir-se a si mesmo, de
encontrar na sua própria natureza o seu equilíbrio e os seus valores. A
alienação do homem consiste em não ser fiel a si mesmo. Para esse autor,
somente quando o homem sente-se incondicionalmente aceito, ele se
atreve a aceitar-se como é e abrir-se para o processo de aprendizado.
Um testemunho de um professor de Summerhill, publicado na revista
Realidade (1968), dá o tom da relação dos professores com os alunos em
uma escola em que não era obrigatório nem mesmo freqüentar as aulas:
“Você não sabe o que é ter uma classe onde quem está lá porque quer,
porque escolheu aprender... Como em Summerhill ninguém pergunta a
ninguém se vai ou não para a escola, ficamos logo viciados em
sinceridade. Preciso estudar para acompanhar a criançada. Quem resolve
aprender, não só vai a todas as aulas, como não dá folga para a gente:
quer saber cada vez mais”.
Esse paradigma parte da crença rousseauriana na bondade original:
“Crianças livres e felizes não têm probabilidade de ser cruéis. A
crueldade, em muitas crianças, nasce da crueldade que adultos exercem
sobre eles”, dizia Neill. Da mesma forma, as crianças têm uma
curiosidade natural, uma vontade de aprender, que a escola deve
estimular.
Aos que acusavam seu método de criar deliquentes, Neill respondia que o
que torna as pessoas neuróticas e delinqüentes são o moralismo e a
repressão sexual. Para ele, a neurose é conseqüência da falta de amor e
de aceitação. Para Neill, por exemplo, o interesse das crianças em
assuntos escatológicos surge da própria repulsa com que os pais tratam
esse assunto: “Lembro-me de uma menina de 11 anos. Seu único interesse
na vida eram os banheiros, os buracos de fechadura. Substituí aulas de
geografia por outras referentes ao seu assunto predileto, o que a fez
muito feliz. Dez dias depois, quando quis continuar as lições especiais,
ela protestou, entediada: Não quero mais ouvir falar nisso. Estou farta
de falar nessas coisas”, conta Neil.
É importante destacar a diferença que Neil faz entre liberdade é
licenciosidade. Licenciosidade é fazer o que se quer. Liberdade é agir
dentro de limites estabelecidos pela liberdade do outro. Um aluno de
Summerhill podia fazer o que quiser, desde que não incomodasse os
outros. Se isso acontecesse, o caso seria levado à assembléia.
Um
equívoco comum é com relação à forma como esse paradigma via a figura
do professor. Rogers preferia chamar os professores de facilitadores.
Essa palavra foi se deformando com o tempo e hoje perdeu quase
completamente seu significado original. Para muitos, o facilitador é
alguém que transfere a responsabilidade de aprendizado para o aluno.
Exemplos disso são os professores que no primeiro dia de aula dividem os
assunto pelos diversos alunos e os mandam depois apresentar o resultado
dessa pesquisa (que quase nunca é pesquisa, mas apenas repetição de
idéias de um autor já demarcado, numa relação, no fundo, bastante
autoritária). Muitas vezes os professores não fazem nem comentários aos
trabalhos dos alunos.
O
facilitador, para Rogers, é alguém que: tem confiança na relação
pedagógica e cria um clima apropriado para a convivência; informa,
apresenta aos alunos uma base para que eles possam avançar; aceita o
grupo e cada um de seus membros (essa aceitação deve ser não só
intelectual, mas também afetiva); alguém que se converte em um membro do
grupo e participa ativamente do ato coletivo da aprendizagem; é
congruente, isto é, consciente de suas próprias idéias e sentimentos.
Ou
seja, facilitador é alguém que cria condições para o aprendizado,
incentivando os alunos a se aprofundarem nos assuntos de acordo com seus
interesses. Por exemplo, após uma aula sobre a África, os alunos
poderiam se aprofundar em temas como o tráfico de escravos, as religiões
africanas, etc... e depois compartilharem suas descobertas com os
colegas. É muito diferente de simplesmente deixar os alunos darem aulas
no lugar do professor, como alguns têm entendido a proposta humanística.
Anos
depois de serem expostas, as idéias humanísticas ainda nos fazem
pensar. Especialmente porque boa parte de suas propostas foram
deturpadas. A não-diretividade tem sido vista como um “deixai fazer,
deixai passar” que não é encontrado na proposta original. Pensadores
como Alexander Neill e Carl Rogers nos mostram que a educação deve ser
centrada no aluno, mas que o professor deve providenciar-lhe uma base
que lhe permita aprender. Além disso, eles nos ensinam a importância da
afetividade no processo educacional. Os alunos só aprenderão se for
estabelecido um clima de amizade, em que todos sejam aceitos com suas
próprias características.
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