A questão da realidade sempre
foi um dos meus temas mais caros. Escrevi contos, uma novela (O anjo da morte),
artigos acadêmicos e esse é o tema principal de minha tese. Afinal, o que é o
real? Como podemos distingui-lo da ficção, da fantasia e até de alucinações? Essas
são questões que me interessam e que norteiam tanto minha produção literária quanto
acadêmica.
Vasculhando minha biblioteca
encontro o livro que provavelmente angariou meu interesse pelo assunto. O
pequeno livreto de bolso, em papel jornal, foi comprado em um sebo de Curitiba,
no dia 04 de janeiro de 1995. O título original era “The New Words of Fantasy”,
mas a antologia, organizada por Terry Carr, foi batizada no Brasil como “A era
de Aquário”, provavelmente em referência à característica new age, comum a
todos os contos.
Dos textos, li alguns e esqueci
e simplesmente pulei outros. Um, entretanto, me chamou atenção: “O mundo
petrificado”, de Robert Shecley. O texto fala de um homem, Lanigan, que acorda
de um sonho cada vez mais recorrente e terrível. Ele teme que este mundo de
sonhos substitua o mundo real e é essa perspectiva que o apavora. Nós o
acompanhamos em sua ida ao psicólogo. O escritor, habilidoso, vai nos dando
pequenas pistas: o relógio de ouro torna-se de chumbo, as horas simplesmente
pulam, o concreto se liquefaz sob os pés do vizinho, uma torrente de água corta
sua rua e um barco a vapor com chaminés amarelas cruza os céus.
O psicólogo se vê diante de um
desafio, única solução possível de cura: provar para o paciente que o mundo em
que vivem é real, mais real do que seu sonho que vai cada vez mais tomando
conta da realidade.
“Sabemos que uma coisa existe
porque nossos sentidos nos dizem que ela existe”, explica o psicólogo. “Como
constatamos a retidão de nossas observações? Comparando-as com as impressões
sensoriais de outros homens”. Ou seja: a realidade é aquilo que a maioria das
pessoas concorda que é.
Lanigan desmaia e acorda.
Quando sai do consultório, percebe que o ciclo se completou: finalmente, o
mundo terrível de seu sonho se tornou o mundo real. Um mundo petrificado, sem
vida. Nele, o banco da esquina seria sempre um banco, nunca se transformaria
num mausoléu, num avião ou nos ossos de um monstro pré-histórico. Seu relógio
seria sempre de ouro e jamais se transformaria em chumbo. Barcos jamais
singrariam o céu verde ou púrpura.
A habilidade do escritor nos
tira o chão sob os pés, fazendo com que reflitamos sobre o que é o real, pois
nos identificamos com o protagonista e acreditamos, durante todo o conto, que
as torrentes de água singrando ruas, ou o morcego que sai do paletó do
psicólogo eram alucinações, quando na verdade, eram aquilo que o homem
enxergava como real, ou o que era real em uma realidade paralela.
Bons textos mexem conosco, nos
fazem olhar perdidos para o nada, absortos com pensamentos que nunca tivemos ou
ideias que nunca cogitamos. O pequeno conto de Robert Shecley cumpre muito bem
essa função.