Completamente
desconhecida do público e até da maior parte dos historiadores, a obra de
Francisco Irwenten permanece desconcertante: em plena década de 40 ele criou um
super-herói curitibano chamado Capitão Gralha. Publicada pela editora Eclipse,
a revista do Gralha certamente teve uma vida tão curta quanto o fenômeno que
dava nome à editora. Durou três números, dos quais restam atualmente poucos
exemplares, a maioria deles em péssimo estado de conservação (na verdade,
fala-se de um quarto número, mas até hoje ninguém encontrou um exemplar).
O
envolvimento de Iwerten com os super-heróis aconteceu de forma inusitada. Era
época da segunda guerra mundial e os EUA temiam que o Brasil se aliasse ao
eixo. A maneira de evitar que isso acontecesse foi a chamada política de boa
vizinhança: artistas americanos vinham Brasil e artistas e intelectuais
brasileiros recebiam passagem e estadia para conhecer os EUA. Orson Welles e
Walt Disney vieram ao Brasil. Entre os intelectuais tupiniquins que visitaram o
país do Tio Sam, podemos citar Érico Veríssimo. Mas os americanos queriam
receber a visita de um desenhista. Talvez a ideia fosse preparar caminho para a
invasão dos quadrinhos americanos, que aconteceria na próxima década. Aí surgiu
o problema. A maior parte dos ilustradores, ou não queria ir, ou não podia. Quem
acabou recebendo a passagem foi Iwerten.
A viagem aos EUA influenciou fortemente sua
carreira. Lá ele conheceu o que se fazia em termos de quadrinhos e ficou
maravilhado. Em seu diário de viagem, a visita ao estúdio de Bob Kane (criador
do Batman) recebeu destaque especial. Quando voltou ao Brasil, tinha em mente
fazer aqui o mesmo que se estava fazendo lá. Queria criar um herói que entrasse
para o imaginário nacional. Assim nasceu o Capitão Gralha.
Iwerten anteviu que os super-heróis não eram
um sub-gênero do policial ou da ficção-científica, e sim um gênero
independente. Essa constatação é que faz com que seu trabalho seja diferente do
que era feito na época. Ele chegou até a criar um super-vilão, o Doutor
Destruição, cujo verdadeiro nome era David Dorgunts, um personagem excêntrico,
fanático pela letra D (uma das sequências mostra a biblioteca do vilão e só
vemos livros cujos autores tenham nomes ou sobrenomes iniciados com a letra D,
como Daniel Defoe e Charles Dickens).
Embora sejam completamente desconhecidos do
grande público, as escaramuças do Capitão Gralha contra o Dr. Destruição
poderiam figurar em qualquer catálogo do melhor da Golden Age, graças à
extraordinária imaginação de Iwerten.
Fala-se que no quarto número o Capitão Gralha
chegava a enfrentar uma invasão extra-terrestre numa curiosa antecipação do
terror dos discos voadores que invadiriam os EUA na década de 50. A solução
encontrada para impedir a invasão era digna de um H.G. Wells.
Apesar da qualidade, a revista do Capitão
Gralha não foi em frente. Na época parecia muito estranho um personagem com
super-poderes e ninguém levou a revista muito a sério. Alguns, entretanto,
devem ter se lembrado dele quando, alguns anos depois, as bancas foram
invadidas por super-heróis ianques. Mas já era tarde. Iwerten morreu em 1953,
desgostoso com o não reconhecimento de sua obra.
Matéria originalmente publicada na revista Metal Pesado Curitiba, de 1997.
Sem comentários:
Enviar um comentário