Paulo Coelho é um dos escritores mais
lidos do mundo. Já vendeu mais de 100 milhões de livros. É o escritor vivo mais
traduzido do planeta. Já foi homenageado por reis, rainhas, xeiques e
presidentes, sendo tratado como pop star. No entanto, é linchado pela crítica
literária brasileira, onde nunca ganhou um prêmio literário. Uma figura tão
contraditória acaba se tornando um personagem tão ou mais interessante que seus
personagens. Assim, não é surpresa que Fernando Morais tenha tido a ideia de
escrever sua biografia.
Seguindo uma fórmula já consagrada por
Fernando Morais, O mago começa de maneira não cronológica: Paulo Coelho, já
famoso, desce no aeroporto de Budapeste e não encontra ninguém. Nessas
primeiras páginas o leitor já percebe que não se trata de uma biografia
chapa-branca (feita para engrandecer o biografado).
Enfezado, ele liga para um assistente e
rosna: “Não há ninguém à minha espera em Budapeste! Sim! Foi isso mesmo que
você ouviu”. E repete cada palavra, lentamente, martelando-as na cabeça do
interlocutor. Depois desliga sem se despedir. Então ouve um barulho e, ao se
virar, abre um sorriso de felicidade: uma multidão de repórteres e fãs se
aproxima.
Algumas das facetas de Paulo Coelho já
estão ali, nesse capítulo: a arrogância (que fez com que ele perdesse um
emprego, na década de 1970) e o fascínio pelo sucesso, a ganância pelo dinheiro.
Paulo Coelho é do tipo que faria
qualquer coisa pela popularidade. Seu sonho, desde os mais tenros anos, era se
tornar um escritor mundialmente famoso. Ainda adolescente ele fazia planos
sobre como realizar seu sonho. Em seu diário, ele anotava providências, como
descobrir quem eram os editores de cultura dos grandes jornais e mandar-lhes
textos, comparecer a noites de autógrafo e estreias de teatro travando conhecimento
com os autores famosos e tentando conseguir um padrinho.
Apesar de todas as tentativas de fazer
sucesso como escritor, Paulo Coelho só se tornaria famoso mesmo ao conhecer o
músico Raul Seixas. Muitos dos detratores do escritor dizem que ele se aproveitou
de Raul, mas na verdade, o que parece ter acontecido foi uma simbiose poucas
vezes vista na história da música brasileira.
Na época, Paulo Coelho fazia parte de
um grupo satanista e era editor da revista A pomba, que misturava misticismo
com mulheres peladas. Era um hippie, que andava de sandálias e cabelos
desgrenhados, vivia com duas mulheres e transava todo tipo de droga. Raul
Seixas era careta, andava bem penteado, barba feita, terno e gravata, pasta 007
e nunca experimentara nenhum tipo de droga e não tinha qualquer contato com
sociedades místicas. Ou seja: um era o oposto do outro.
Raul queria publicar um texto sobre
discos voadores e pretendia convencer Paulo a escrever músicas para ele, pois
já pensava em abandonar a vida de executivo para se tornar músico em tempo
integral. Paulo só aceitou jantar na casa do futuro parceiro porque pretendia
arrancar dele um anúncio da CBS para sua revista. Ao entrar no apartamento,
Paulo percebeu que estava em um programa de índio: “É tudo caretinha, tudo
bem-comportado”, escreveu em seu diário. “Serviram umas cumbuquinhas com
salgadinhos... há anos que eu não janto na casa de ninguém que tivesse cumbuquinhas
com salgadinhos”. Quando Raul pediu para ele ouvir algumas músicas, Paulo
pensou: “Puta merda, ainda vamos ter que ouvir música?”. Mas, no final, ele
gostou muito do que ouviu. Acabaram
virando parceiros e Paulo foi, aos poucos, mudando Raul: apresentou a ele as
drogas, o satanismo, todo o pacote. Enquanto Raul ia virando o maluco beleza,
Paulo ia encaretando: abandou o satanismo depois de um encontro com o diabo,
largou a cocaína e depois a maconha. Como numa imagem de yin yang, os dois eram
opostos que se complementavam e, quando um mudou, o outro mudou também,
voltando a se tornarem opostos.
Entre os que não são leitores
freqüentes de Paulo Coelho, essa parte da parceria deve ser o ponto mais
interessante do livro. Mas para quem chegou até ali, é impossível largar. Com
incomparável maestria, Fernando Morais sequestra o leitor, que só larga o livro
na última página. O grande interesse dali em diante é saber como, apesar de
todas as dificuldades iniciais, Paulo se tornou um dos escritores mais
populares do mundo.
A narrativa nesse ponto lembra o filme
Ed Wood, de Tim Burton: uma fábula sobre alguém que acredita em um sonho e
consegue realizá-lo indo contra todas as expectativas.
Na busca pela fama, Paulo comete dois
pecados capitais: o plágio e o uso de gosth writer. Ainda na década de 1960, em
Aracaju, pedem a ele que escreva um artigo contra a ditadura para publicar num
jornal local. Sem tempo ou inspiração, ele simplesmente chupa um texto de
Carlos Heitor Cony. Quando, já na década
de 1980, lança seu primeiro livro, Arquivos do Inferno, um dos capítulos era
uma suposta piscografia do inquisidor espanhol Tomás Torquemada defendendo a
tortura. O capítulo era um plágio do livro “A verdade sobre a inquisição”, de
Henrique Hello.
O segundo livro de Paulo Coelho também
revela uma situação grave. Como havia feito cursos sobre vampiros na Inglaterra
(onde viveu uma relação a quatro com sua esposa, uma japonesa e o compositor
Peninha), ele foi convidado a escrever um livro sobre o assunto para a editora
Eco. Paulo aceitou dividir a autoria com
o jornalista Nelson Liano Jr., que dera a ideia do livro, mas não conseguiu
escrever seus capítulos. Recorreu, então, a um amigo, Toninho Buda, com a
promessa de que o nome dele seria creditado. Toninho Buda não recebeu nada pelo
trabalho e seu nome não apareceu em lugar nenhum da publicação.
Finalmente, com a publicação de O
Alquimista, veio o sucesso estrondoso e começou uma nova situação: a relação
com a crítica. Enquanto lá fora, Paulo Coelho recebe elogios até de Umberto Eco
e tem textos ilustrados por Moebius, aqui ele é uma unanimidade ao contrário:
absolutamente todos os críticos literários odeiam sua obra. Quando se pensou em
adotar suas obras em escolas públicas, o Jornal do Brasil publicou uma charge
em que um estudante vê crescer orelhas de burro ao ler o Diário de um mago. A
Folha de São Paulo chegou a dizer que seus escritos não eram nem mesmo
subliteratura. Quando foi entrevistado pelo programa do Jô, a produção se
apropriou de um texto de Arthur da Távola, na qual o cronista encontrava vários
erros de revisão em Diário de um mago. Uma atitude anti-ética que beirava o
sensacionalismo puro (afinal, falar mal de Paulo Coelho dá IBOPE).
Quando uma professora de literatura
resolveu fazer uma tese sobre O Alquimista, foi hostilizada pelos colegas. A
banca a acusou de ter escrito um trabalho simpático ao escritor (como se isso
fosse crime): “Diziam que Paulo Coelho me pagara para escrever a tese, que eu
era amante dele!”.
Um linchamento público tão unânime lembra
mais preconceito do que opinião literária. Paulo Coelho parece estar sendo
vítima do sucesso, que torna os intelectuais incapazes de avaliar sua obra.
Isso já aconteceu com Monteiro Lobato, Roberto Carlos ou Maurício de Sousa. É
possível que daqui a alguns anos seu trabalho seja redescoberto. Ou não. De
certo, apenas uma coisa: a biografia do escritor é um livro delicioso e
intrigante, com um personagem tridimensional, cheio de qualidades e defeitos,
que viveu os anos loucos da geração hippie, foi torturado pela ditadura,
internado em um asilo para loucos e sobreviveu para ser o escritor brasileiro
mais lido do mundo e o mais odiado pela intelectualidade. Leitura obrigatória
para quem gosta de boas biografias.
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