Em 1974 o gênero faroeste já
havia sido tão explorado que parecia praticamente impossível surgir alguma
abordagem diferenciada. Foi quando surgiu, na Itália, Ken Parker, criação do roteirista
Giancarlo Berardi e do desenhista Ivo Milazzo.
Uma primeira diferença
estava no traço de Milazzo, que destoava do desenho realista que se usava até
então no gênero. Seu estilo era simples, estilizado, mas altamente dinâmico e
expressivo. O fato do personagem ser baseado no ator Robert Redford também era
uma novidade na época (posteriormente, outros personagens dos fumetti
emprestaram rostos de atores e atrizes famosos: Dylan Dog era Rupert Everett e a criminóloga Júlia era Audrey Hepburn.
Mas o grande diferencial de Ken Parker estava mesmo nos
roteiros. Ken Parker é o mais humano dos cowboys. Berardi inovou logo nos
primeiros números fazendo com que o herói perdesse a memória e fosse morar com
os índios, sendo chamado de Chemako (aquele que não se lembra).
Durante décadas os índios foram retratados nos quadrinhos como
animais ferozes e bárbaros. Algumas histórias em quadrinhos, como Tex e
Blueberry já haviam começado a mostrar uma visão mais positiva dos índios, mas
seria apenas com Ken Parker que os nativos norte-americanos seriam retratados
de forma realista e como o que de fato eram: vítimas dos massacres dos homens
brancos que invadiam suas terras.
O episódio demonstrou bem alguns dos principais méritos da
série: o de mostrar o outro lado do velho Oeste. Ken Parker convive não só com
índios, mas com baleeiros e esquimós.
Os episódios Terras Brancas e a Nação dos Homens, em que o
personagem convive com os esquimós, é praticamente uma aula de roteiro de como
o roteirista deve pesquisar sobre o ambiente em que se passa a história para
escrevê-la. Os costumes e forma de vida dos esquimós são retratados com um
realismo impressionante para a época, elevando a série muito além do que era
feito com o gênero faroeste.
Não bastassem essas inovações, Ken Parker ainda brincava com
outros gêneros, experimentando outras possibilidades. No episódio 4, Homicídio
em Washington, Berardi introduziu uma trama policial, o que ocorreria em vários
outros volumes. Na história Boston, por exemplo, Ken Parker contracena com
grandes detetives literários, como Sherlock Holmes e Poirot e acaba sendo o
responsável pela solução de um crime em uma locomotiva.
Em outro episódio, Ken Parker delira e se vê como um cavaleiro
andante.
.
Outro grande diferencial de Ken Parker será a construção
detalhada dos personagens secundários, que muitas vezes parecem roubar a cena,
tornando-se a grande atração do gibi. É o caso da menina Pat O´Shane, uma
personagem tão carismática que, embora tenha aparecido em poucos números, é
lembrada com carinho por todos os fãs da série.
A única limitação do gibi parecia ser mesmo a imaginação do
roteirista. O público de faroeste, normalmente muito conservador, reagiu bem a
essas inovações e a revista Ken Parker se estabeleceu no gosto do público, ganhando
fãs fieis especialmente entre as pessoas com maior nível intelectual. A revista
durou dezenas de números e teve até mesmo álbuns de luxo.
Em uma das últimas histórias, Berardi e Millazzo voltaram a
inovar apelando para a metalinguagem. Na história A terra dos heróis, desenhista
e roteirista contracenam com o personagem numa história que inclui uma
verdadeira multidão de convidados especiais: de Pinóquio ao Zorro, passando
pelo ator Orson Welles.
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