44
Quando terminaram, voltaram para
seus quartos. Estavam exaustos depois da longa noite insone. Apenas Sofia ficou
na sala, assistindo a um desenho na grande TV de plasma. Embora não pudesse
ouvir o som, em sua imaginação infantil conseguia entender a história.
Mas, com o tempo, foi perdendo o
interesse. Levantou-se e olhou à volta. Nenhum movimento. Nem mesmo a galinha
andava por ali.
Não estava com sono, mas o desenho
não lhe interessava mais. O que restava era andar pela casa, desbravando-a.
Sentia-se entre curiosa e tensa. Talvez porque sabia que estava fazendo uma
travessura. Os adultos esperavam que ela ficasse ali, na sala, mas aquele
espaço parecia agora pequeno e a menina queria saber o que havia além dele.
Pouco antes de entrar na cozinha
deparou-se com uma porta. Vira um dos adultos tentando entrar nela assim que
chegaram e o dono da casa o impedira.
Sofia forçou a fechadura e
descobriu que não estava trancada.
A porta abriu lentamente e a luz
da cozinha se esparramou como um leque pela superfície negra do cômodo. Sofia
deu um passo para frente, indecisa. Fez isso e levou a mão direita na direção
da parede, na busca de um interruptor. Seus dedos foram tateando lenta e cuidadosamente,
até se depararem com uma saliência de plástico no reboco.
Uma luz se acendeu iluminando o
que parecia um corredor curto. Lá no fim, o corredor parecia se abrir num
cômodo maior. Havia coisas penduradas pela parede, mas de onde estava, a menina
não conseguia identificar o que eram. Ela olhou para trás, esperando ver algum
adulto que a orientasse. Mas não havia ninguém. Era ela, sozinha e uma dúvida
terrível: entrava ou não entrava?
Por fim, deu mais um passo e olhou
à volta. Apenas a parede, dos dois lados.
Sofia deu mais um passo. E outro.
E outro. Enfim, estancou, intrigada e maravilhada com que seus olhos
vislumbravam. A parede era coberta de objetos pendurados. Havia um avental de
plástico branco. Havia diversas manchas nele e a menina pensou inicialmente que
era um avental de pintura, como aqueles que ela usava na escola, mas ao se
aproximar, sentiu um forte odor acre. Além disso, as manchas variavam do
vermelho ao roxo. Não havia nenhum amarelo, azul ou verde entre as várias e
pequenas manchas. Em uma sacola transparente viu pequenos frascos igualmente
transparentes, repletos de linhas e agulhas de costuras das mais diversas cores
e grossuras.
Mas o que mais a maravilhou foram
as coisas que brilhavam ao longe. Havia ali uma profusão incrível de facas das
mais variadas cores e tamanhos. Algumas eram pequenas, com a lâmina fina e
pequena, outras eram grandes e pesadas como cutelos.
Todas estavam devidamente limpas e
organizadas por tamanho e tipo. Quem quer que as guardara era meticuloso e organizado.
A limpeza das facas era algo quase
irreal naquele ambiente e contrastava fortemente com a sujeira abstrata do
avental.
Sofia ficou ali, admirando-as, até
perceber que havia algo do outro lado da sala.
Sem comentários:
Enviar um comentário