Todo mundo estava falando de quadrinhos, mas precisávamos de algo diferente para a apresentação. Foi quando alguém me disse que no bloco de Artes, ao lado do nosso, havia um rapaz, Bené Nascimento, que trabalhava profissionalmente como desenhista, publicando em editoras de São Paulo. Um paraense fazendo quadrinhos era a novidade das novidades na época e fiz questão de entrevistá-lo. A entrevista, que deveria durar meia-hora, durou a tarde inteira (e os dois perdendo aula, claro) e, no final, um convite de Bené: que tal fazer um fanzine de quadrinhos? Assim surgiu "Crash!", o primeiro fanzine paraense dedicado exclusivamente aos quadrinhos.
Estávamos na produção do segundo número quando Bené chegou com os originais de uma belíssima história, toda arte-finalizada com pincel. Desenhada no estilo Hall Foster (autor do Príncipe Valente) a HQ mostrava um cavaleiro medieval livrando uma floresta de um demônio.
- Gostou? - perguntou Bené.
- Claro.
- Quer colocar o texto?
Aceitei na hora. "Floresta Negra" foi o primeiro roteiro que escrevi, um caminho bastante curioso, já que não era de fato um roteiro. Foi também o primeiro roteiro publicado, na saudosa revista Calafrio.
A partir dali surgiu uma parceria que se estenderia por vários anos e mexeria com o jeito como se fazia quadrinhos de terror no Brasil.
O quadrinho de terror ganhou grande força no Brasil na década de 1960, quando os gibis da editora EC Comics foram proibidos nos EUA. As revistas que publicavam essas histórias tinham grande público aqui e não havia mais material inédito. A solução foi recorrer aos quadrinistas brasileiros e assim surgiu a era de ouro do terror nacional.
Mas a estrutura narrativa daquela época se tornou uma espécie de camisa de força para os artistas. Tirando alguns quadrinistas mais renomados mais renomados, como Mozart Couto, a maioria seguia os cânones do terror década de 60 que tinha inclusive algumas histórias básicas, como da pessoa má que apronta todas as malvadezas possíveis durante toda a HQ e no final os mortos voltam para se vingar.
Essa abordagem visceral inicialmente não agradou os editores da época. A história "Puritano", por exemplo, está até hoje inédita: foi recusada por todos os editores da época, talvez por envolver questões religiosas. Uma das histórias, "Noir", só foi publicada porque a assistente de edição levou o original para o dono da editora e insistiu que saísse na revista.
A maioria das revistas nas quais publicávamos eram vendidas ensacadas, o que nos criava um problema. Não havia o costume atual de indicar na capa as histórias e os autores, de modo que nunca sabíamos se a revista tinha história nossa ou não. Assim, tivemos a ideia de colocar uma margem negra nas páginas. Isso permitia pudéssemos perceber se havia histórias nossas sem nem mesmo abrir o volume. Inadvertidamente isso se tornou uma estratégia de marketing: os fãs da dupla passaram a também procurar as margens negras nas revistas.
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