sábado, outubro 21, 2017

O apocalipse anunciado nas estrelas


Em 1681 Increase Mather, presidente do Havard College, emitiu um sermão cujo título era “Alarmes celestes para o despertar do mundo ou um sermão em que se argumenta que os terríveis sinais e aparições celestes que agora vemos são prenúncio de grandes calamidades”. O objetivo do sermão era fazer com que a congregação se arrependesse de seus pecados, pois os sinais celestes do fim, de acordo com profecias de textos bíblicos, de Ezequiel a Zacarias, já estavam nos céus.
É justamente essa relação entre os fenômenos astronômicos e as profecias de apocalipse, tanto na ciência quanto na religião, que Marcelo Gleiser pretende investigar em seu mais novo livro, “O fim da Terra e do Céu”.
Exemplos não faltam. O próprio Mather relaciona vários. Segundo Cometography, uma coletânea de todos os cometas observados, publicado em 1683, uma estrela ardente foi vista nos céus, trazendo um terremoto, guerras, peste, escassez absoluta e a morte de um imperador e um papa. Isso no ano de 984.
Em 1005, a aparição de um cometa foi seguida de uma terrível epidemia de peste que persistiu por três anos. Em alguns locais, segundo Mather, algumas pessoas tombavam mortas enquanto cavavam sepulturas para enterrar seus mortos.
Até a era moderna a maioria das pessoas relacionava a aparição de cometas com eventos trágicos. Esses eventos celestes eram enviados por Deus para comunicar sua ira aos pecadores. Assim, até mesmo para cientistas como Isaac Newton, os cometas eram fenômenos sobrenaturais e não naturais.
Na Idade Média, pouco depois do ano 1000, os fenômenos astronômicos foram encarados como indícios de uma nova era. De fato, uma série de modificações tinham início.
A expansão do comércio fez com que um grande número de camponeses migrasse pra as cidades, provocando uma rápida degradação das condições higiênicas nos burgos.
Foi quando surgiu a epidemia de peste bubônica. Vinda possivelmente da Ásia e se alastrando facilmente pela cidades européias em decorrência da falta total de saneamento e de higiene pessoal, ela matou um terço da população européia, 25 milhões de pessoas, ficando conhecida como peste negra.
Os cadáveres se acumulavam mais rapidamente do que era possível enterrá-los. Os cadáveres eram recolhidos por carretas puxadas por burros. Os gritos de “Tragam seus mortos” eram o som mais ouvido nas cidades européias da época.
Não faltaram, então, pessoas que identificassem no céu sinais de que a peste era uma punição divina. O cronista Giovanni Villani escreveu em 1348 que a peste se devia ao aparecimento de um cometa na constelação de Virgem.
Os indícios de que se tratava do fim do mundo aumentou em muito o número de flagelantes. Esse grupo de fanáticos religiosos haviam surgido em 1260, na Itália. Para eles, o fim estava próximo e a única forma de fugir do castigo inexorável era através da dor física auto-imposta, necessária para a purificação da alma. Centenas, às vezes milhares de pessoas vestidas com túnicas brancas com enormes cruzes vermelhas estampadas atrás e à frente chegavam em um vilarejo incitando os moradores a seguirem o cortejo caso quisessem ser salvos das chamas do inferno. Ele então faziam um círculo na praça principal e davam início a um ritual de autopunição, utilizando chicotes de couro com dentes de ferro, que faziam o sangue jorrar das feridas abertas.
Na época da peste as feridas dos flagelantes aceleravam ainda mais a disseminação do bacilo assassino.
Marcelo Gleisser, doutor pelo King College (Inglaterra) e professor de física e astronomia no Dartmouth College (EUA) coleciona em seu livros diversos casos semelhantes e tenta uma explicação muito próxima da antropologia e filosófica.
Para ele o ser humano é assombrado pela consciência de que sua existência terá um fim.
Todos os nossos esforços têm sido no sentido de driblar essa irreversibilidade do tempo e nos tornarmos imortais. Todos fazemos algo que preserve nossa memória e das quais as pessoas possam se lembrar de seus autores após as suas mortes. Alguns têm filhos, outros elaboram teoremas matemáticos, outros escrevem resenhas em jornais.
Segundo Gleisser, nos rituais religiosos, por exemplo, nós procurarmos imitar Deus na tentativa de ser como ele e compartilhar de sua imortalidade: “Quando suspendemos a passagem do tempo, quando nos tornamos imortais como os deuses, a vida e a morte passam a coexistir, e os mortos podem então caminhar ao lado dos vivos. Para isso criamos o infinito e o eterno, dedicando-nos de corpo e alma à nossa fé, qualquer que ela seja. A fé consola e justifica”.
Como resposta à fragilidade e transitoriedade da vida humana, nós voltamos nossos olhos para o céu. Se os deuses falam através dos corpos celestes, descobrir a forma como esses agem é decifrar a linguagem dos deuses. “De Platão a Einstein, muitos dos maiores filósofos e cientistas de todos os tempos dedicaram-se ao estudo dos céus, não apenas por razões práticas, mas numa tentativa de elevar a mente humana para aproxima-la da do Criador”, escreve Marcelo Gleiser.
O resultado dessa busca ao mesmo tempo maravilhosa e aterradora, o leitor confere no livro de Gleiser.

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