Uma pergunta comum de meus alunos é: “Para que
serve a metodologia científica?”. A resposta mais simples, e também a mais
reducionista é que a metodologia serve para que o aluno possa fazer o trabalho
de conclusão de curso, o famoso TCC.
Mas
reecuso-me a acreditar que a metodologia científica sirva só para isso. Na
verdade, espero que a disciplina desperte nos alunos o espírito científico. Não
quero dizer com isso que pretenda transformá-los em cientistas (embora alguns
provavelmente sigam essa carreira), mas que utilizem os critérios científicos
no seu dia-a-dia.
Segundo
Humberto Maturana, a ciência é uma forma de explicar o mundo. É através dela
que compreendemos a realidade em que vivemos. Existem outras formas de
explicações, algumas das quais são até superiores à ciência em determinados
recortes da realidade. Mas a ciência se destaca por seguir uma metodologia que
foi construída ao longo de séculos, e critérios específicos para distinguir o
que é uma boa explicação e o que não é.
Quando
tinha oito anos, meu filho se viu em dúvida sobre qual é o animal mais rápido
do mundo. Alguns diziam que era guepardo; já para outros, era o falcão.
Quem
estava com a razão? Eu o orientei a verificar a fonte de cada informação. Nesse
assunto, por exemplo, a opinião de um zoólogo tem muito mais validade que a
opinião de um leigo. Ao se deparar com duas informações controversas, o ideal é
verificar qual das fontes tem mais credibilidade. A revista Superinteressante é
mais confiável que a Recreio. Por sua vez, a Scientific American é mais
confiável que a Super. Por outro lado, uma revista científica, editada por uma
sociedade de pesquisa, é mais confiável que a Scientific American.
Diante
de informações contraditórias sobre fontes igualmente confiáveis (digamos que a
Galileu diga uma coisa e a Super outra), o ideal é procurar uma terceira fonte.
Isso
vale até para informações que recebemos oralmente. Se um amigo me diz que o
supermercado foi assaltado e outro afirma que a vítima foi a padaria, e se
estou interessado no assunto, devo procurar uma terceira pessoa, de preferência
alguém que estivesse presente ao
acontecimento (uma fonte, portanto, mais confiável).
Esse
princípio básico, que jornalistas, administradores e profissionais em geral,
usam em seu dia-a-dia é um critério científico que remonta ao filósofo René
Descartes, segundo o qual nunca devemos aceitar como verdade, algo que não
conhecemos evidentemente como tal e, antes de chegar a uma conclusão sobre um
assunto, fazer todas as revisões e verificações necessárias.
Um
aspecto que costuma assustar os estudantes que se deparam com a metodologia
científica é o projeto de pesquisa. Talvez porque ele seja ensinado como um
modelo rígido que deve ser seguido sem que seja necessário compreender muita
coisa.
Acontece
que cotidianamente fazemos, informalmente, projetos de pesquisa.
Um
exemplo corriqueiro: quero fazer uma receita de bolo. Eu tenho consciência de
que um bolo é uma junção sólida de uma série de ingredientes, tais como ovos,
farinha de trigo e leite, mas percebo que sou incapaz de fazer algo comível sem
uma receita. Então me lembro que minha avó me conseguiu uma receita de um
delicioso bolo de milho com queijo.
Surge
um problema: onde está a receita? O problema é uma pergunta, que deve ser
respondida através de uma pesquisa. É um ponto básico de qualquer projeto
científico.
Mas
não basta ter um problema, também é necessário ter uma hipótese, uma resposta
provisória, que irá orientar minha pesquisa. Senão corro risco de passar anos
procurando pela receita.
Minha
hipótese é: a receita está dentro de um dos livros de minha biblioteca. Quando
mais específica for minha hipótese, melhor. A hipótese “A receita do bolo está
dentro do livro O nome da rosa” é melhor que a anterior, pois é mais
específica.
Bem,
resta pesquisar, mas para isso é necessário ter um método. Posso decidir, por
exemplo, que o melhor método para encontrar a receita é abrir o livro e
folheá-lo.
Em
seguida, faço a pesquisa, que pode confirmar ou falsear a hipótese.
Estão
aí os elementos básicos de um projeto: o tema (o bolo); um problema (Onde está
a receita de bolo?); uma hipótese (a receita de bolo está dentro do livro O
nome da rosa) e uma metodologia. Poderíamos acrescentar o objetivo (encontrar a
receita de bolo).
O
exemplo, espero, demonstra que a metodologia não é uma coisa misteriosa, que
deve ser decorada para passar de ano e depois esquecida. Ao contrário, o
espírito científico e sua forma de agir (a metodologia) são essenciais para
lidarmos com boa parte das questões com as quais nos deparamos no nosso
cotidiano, seja a indagação sobre onde está a receita de bolo ou a decisão, por
parte de um administrador, se acredita ou não em determinada informação.
Os
grandes autores aos quais a metodologia científica é devedora (René Descartes,
Karl Popper, Thomas S. Kuhn, Humberto Maturana, Edgar Morin) não estavam
pensando em criar um método que deveria ser seguido apenas por cientistas, mas
uma forma de pensar que ajudasse as pessoas, em geral, a compreenderem o mundo
em que vivem.
Sem comentários:
Enviar um comentário