O macaco que se fez homem foi um dos primeiros livros
de Monteiro Lobato. Lançado em 1923, depois seus dez contos foram espalhados
por outros dois livros do autor: Cidades Mortas e Negrinha. Ao relançar a obra
de Lobato, com um novo e inovador formato gráfico, a editora Globo resolveu manter
a programação original dos livros, reunindo novamente os dez contos em volume
separado.
O livro é um apanhado de textos diversos, que vão
da alegoria à experimentação, passando pelos famosos “causos” do autor.
O conto que dá nome ao livro é provavelmente o
mais fraco do volume. Lobato constrói uma alegoria satírica sobre a origem do
homem (a humanidade teria sua origem em um macaco que caiu da árvore, bateu a
cabeça e desenvolveu uma coisa chamada inteligência).
Lobato passa longe de ser um bom alegorista
(como era Machado), mas tem seus momentos inspirados, em especial quando Deus
prediz o destino do macaco vitimado pela queda e seus descendentes: “Seu
engenho criará engenhosíssimas armas de alto poder destrutivo – e empolgado
pelo ódio se estraçalharão uns aos outros em nome de pátrias, por meio de lutas
tremendas a que chamarão de guerras, vestidos macacalmente, ao som de músicas, tambores
e cornetas – esquecidos de que não criei nem ódio, nem corneta, nem pátria”.
Os melhores textos da antologia são os chamados
“causos” lobatianos. Há no volume aos montes e todos muito bons: do homem que
se dizia o salvador da lavoura nacional e que, ao ter sua própria fazenda, vê às
voltas com uma inesperada nuvem de gafanhotos à história do homem azarado,
desrespeitado por todos, inclusive pelos filhos, que vê sua sorte mudar ao
tornar-se cego. Todos trazem uma estrutura bem elaborada, que inclui humor,
ironia e profundo conhecimento da alma humana. E são narrados como quem conta
uma história a um ouvinte em um bar ou farmácia, como era comum na época.
Um dos textos que fogem dessa estrutura é “Tragédia
de um capão de pintos”, um dos destaques do livro. Lobato conta a história de
um galo perneta, incapaz de gerar filhos, que é colocado para cuidar de três pequenas
aves: um pinto, um marrequinho e um peruzinho. Antecipando em vários anos A
revolução dos bichos, de George Orwell, Lobato
se debruça sobre os animais da fazenda, narrando a história do ponto de vista
deles, inclusive sobre as injustiças de que são vítimas. O trecho sobre como os
animais viam cada habitante humano da fazenda e os nomeavam é particularmente interessante.
Tragédia de um capão de pintos é uma história sensível, que, em muitos
sentidos, reflete outro conto famoso, Negrinha, ao mostrar o ponto de vista da
vítima contra os poderosos, donos de seus destinos.
Também merece destaque “Marabá”, um texto
experimental que mostra o quanto Lobato era próximo da estética modernista. A
certo ponto o autor simplesmente ignora a forma literária a e começa a narrar a
história como roteiro cinematográfico, inclusive sugerindo ao produtor o nome
da atriz que deveria protagonizar o filme.
Embora seja um volume de contos, a filosofia de
vida de Lobato perpassa todos os textos, a exemplo de “Fatia de vida”. Na introdução
do conto, Lobato contrapõe os que pensam por sua própria cabeça e o “toda gente”.
O “esquisitão” é quem se nega a aderir ao moloch social, a abraçar cegamente um
grupo ideológico, político ou religioso. É um suspeito, um indesejado. Se puderem,
eliminam-no: “Assombramo-nos ao recordar os crimes de grupo que enchem a história
– Santo Ofício, guerras, matanças religiosas”.
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