Uma das questões mais antigas da filosofia é: o homem é bom?
Existe uma bondade natural ao homem ou ele é, essencialmente mal? Durante anos
acreditei que o homem era bom. Atualmente acredito que o ser humano não é
intrinsicamente mau, mas a humanidade se inclina na direção da maldade.
Para explicar, preciso remeter aos comportamentos coletivos
e à estrutura do cérebro. De maneira simplificada, podemos dizer que o cérebro
é dividido em três partes: o complexo reptiliano, nosso cérebro mais antigo,
responsável pelos instintos mais básicos do ser-humano (sobrevivência, sexo,
comida). Depois dele temos o complexo límbico, um cérebro mais recente, que
governa as emoções e o instinto de manada, a necessidade de pertencer a um
grupo. Finalmente, temos a parte mais avançada de nosso cérebro, o neocórtex,
responsável pelo pensamento lógico e pela linguagem.
Segundo a psicologia de massas, o complexo límbico está
associado ao comportamento de massa, enquanto o neocórtex governaria o
comportamento do público.
A maioria das pessoas não acordaria e daria um tiro no
vizinho enquanto ele lhe dá bom dia. Esse
é um comportamento que se espera de psicopata. Entretanto, em vários momentos
da história da humanidade temos visto grupos de pessoas agindo com extrema
violência, como se fosse possível transformar em psicopatas toda uma comunidade
– do Estado Islâmico ao nazismo passando pelo massacre em Ruanda. Como explicar
isso?
A resposta está justamente na necessidade, imposta pelo
complexo límbico, de fazer parte de um grupo. Pessoas escolhem seus grupos e se
entrincheiram neles. Sejam igrejas, torcidas de futebol ou ideologia política.
Grupos que se organizam em torno de uma liderança. Pessoas precisam de alguém
que lhes diga como pensar, como agir, como decidir o que é certo e o que é
errado. Não é à toa que religiões que estimulam o livre pensar não fazem
sucesso (ou com o tempo se modificam no sentido de se tornarem modelos
prontos).
Apesar de crescerem, as pessoas continuam sendo crianças,
que necessitam de alguém a quem seguir. Fazer parte de um grupo lhes traz
conforto e segurança. O grupo dá poder ao indivíduo. Exemplo disso é garoto que
é valentão quando está com sua gangue, mas absolutamente covarde quando está
sozinho.
Por outro lado, quem não faz parte do grupo passa a ser
visto com desconfiança, como um potencial inimigo. E, quem não faz parte de
nenhum grupo, ou de grupos minoritários, parece ainda mais perigoso. Costuma-se
dizer que as pessoas têm medo do diferente, mas na verdade, elas têm medo de
quem não faz parte de seu grupo. A
perseguição a quem não faz parte do grupo explica tanto a caça às bruxas quanto
o buyilling. As bruxas eram mulheres “estranhas”, que não se encaixavam na
sociedade da época. Portanto, eram uma ameaça ao grupo. O mesmo ocorre com as
vítimas de buyilling nas escolas. É muito raro que sejam atormentado por alguém
individualmente, a violência vem sempre de grupos que, no fundo, o consideram
um inimigo.
Pode-se imaginar que esse comportamento violento com o outro
seja uma exceção, mas dois episódios mostram que essa violência pode contaminar
qualquer grupo.
O primeiro deles ocorreu quando um professor de uma escola
secundária norte-americana em 1967, em Palo Alto, Califórnia, resolveu fazer
uma experiência com seus alunos para recriar a atmosfera da Alemanha nazista.
Ele os envolveu numa comunidade que dava valor à coletividade, em desfavor do
indivíduo. Havia um símbolo, saudações, disciplina e um slogan: “Poder,
Disciplina e Superioridade” A experiência, no entanto, acabou saindo do
controle. O grupo, que começou apenas em uma turma foi se alastrando pela
escola e logo seus integrantes estavam atacando quem não aderia a ele. O caso
deu origem a um famoso filme “A onda”.
Outro episódio foi o experimento da prisão de Stanford,
levado a efeito em 1971 em que voluntários foram divididos em dois grupos – um
de prisioneiros, outro de guardas. O que começou como uma experiência normal
logo saiu do controle, com os guardas humilhando, torturando e violentando os
presos. Como na época vivia-se o auge da guerra do Vietnã, a maioria dos
voluntários pretendia ser prisioneiros, levando os pesquisadores a escolherem
no cara e coroa quem seria quem. E muitos daqueles que eram contra a guerra se
viram transformados em guardas violentos e abusadores. No final, o experimento
que deveria durar duas semanas durou apenas seis dias. Sabe Deus o que
aconteceria se tivessem ido em frente.
Outro experimento, levado a cabo pelo por Stanley Milgran
mostrava o quanto as pessoas podem ser cruéis quando obedecem a uma autoridade.
Voluntários eram colocados diante de uma máquina de choques. Do outro lado
supostamente havia outro voluntário, que deveria responder a algumas perguntas.
Para cada resposta errada, o aluno levava um choque, que ia aumentando de
gradação. Mesmo acreditando que poderiam estar matando a pessoa do outro lado,
mais de 60% das pessoas continuou acionando o aparelho porque era isso que lhe
era ordenado pela autoridade presente (o pesquisador). Alguns o faziam de forma
constrangida, mas faziam. Poucos se recusavam a continuar torturando a pessoa
do outro lado. O mesmo pode ocorrer com qualquer pessoa se o grupo á qual
pertence lhe der uma ordem semelhante. O medo de não fazer parte do grupo faz
com que obedeçam a um líder carismático, mesmo que a ordem seja prender,
torturar ou matar alguém.
É por isso que sistemas totalitários são tão sedutores.
Fazer parte de um grupo dá uma sensação de conforto. Nesse sentido, George
Orwell em seu livro “1984” estava errado. O autoritarismo não é algo que é
imposto às pessoas, mas algo pela qual elas anseiam, na necessidade de fazerem
parte de um grupo.
A diferença entre um pai de família pacato e um carrasco
nazista ou um terrorista do Estado Islâmico é uma só: alguém que lhe diga que o
grupo está em perigo, alguém que aponte um inimigo do grupo. A maioria das
pessoas estará disposta a perseguir, torturar e até mesmo matar outras pessoas
se o líder do grupo à qual pertence assim ordenar e se alternativa for ser
excluído do grupo. Os fanáticos religiosos que lincharam a filósofa Hipátia em
Alexandria são um exemplo disso. Incitados por seus líderes religiosos, aqueles
cristãos acreditaram que alguém que pensava diferente deles deveria ser
eliminado por constituir uma ameaça, por mais irracional que isso pudesse
parecer – que tipo de ameaça uma mulher poderia exercer sobre uma religião que
já estava instituída e oficializada?
Outro exemplo perfeito disso temos cotidianamente nas brigas
de torcidas. A maioria daquelas pessoas são absolutamente normais em seu
cotidiano, mas se tornam violentas quando estão em grupo e esse grupo se
encontra com o inimigo. Talvez aquelas pessoas convivessem lado a lado sem se
agredirem caso se encontrassem no metrô e uma não soubesse a que grupo a outra
pertencia.
Até mesmo grupos de minorias muitas vezes se deixam dominar
pelo ódio ao inimigo. Assim, muitas vezes o movimento feminista se torna um
movimento contra os homens, o movimento LGBT se torna um movimento contra os
heterossexuais e o movimento negro se torna um movimento contra os brancos.
Da mesma forma, grupos religiosos ou recreativos podem
rapidamente explodir em pura violência se forem direcionados a isso – e quanto
mais comprometida com o grupo, mais radical a pessoa será e maior a chance de
entrar na escalada de violência.
Por outro lado, os livres-pensadores são o público, são
indivíduos que colocam o pensamento crítico e a individualidade acima do grupo.
Podem até ter suas convicções, sejam religiosas, ideológicas ou de qualquer
outro tipo, mas para elas pertencer ao grupo jamais é o mais importante.
Livres-pensadores costuma sofrer com a desconfiança, quando
não com ataques diretos dos grupos. “Afinal, você é esquerda ou direita?” “Você
precisa escolher uma religião”, são exemplos da pressão que sofrem
cotidianamente. Em casos extremos, isso descamba na violência e morte, como nos
casos em que regimes autoritários se instalam. Livres-pensadores são sempre os
primeiros a serem perseguidos.
Essa conclusão, claro, lembra muito a ideia do filósofo
francês Jean-Jacques Rousseau, segundo o qual o homem é bom, mas a sociedade o
corrompe. Essa frase pode ser reformulada: o homem não é necessariamente bom ou
mal, mas a necessidade de fazer parte de um grupo na maioria das vezes o torna
mau.
Talvez um dia o ser humano evolua e livres-pensadores sejam
mais comuns que pessoas que fazem de tudo para serem aceitas por um grupo. Até
lá estaremos sempre caminhando na direção do holocausto.
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