Todo fã de
quadrinhos de super-heróis certamente conhece o embate entre as duas maiores
editoras norte-americanas. Marvel e DC têm disputado o mercado do comics há
décadas, com vitórias e derrotas para um lado e outro ao longo de todo esse
tempo. A batalha entre essas duas gigantes é tão monumental quanto as batalhas
de seus personagens. O livro Pancadaria, de autoria de Reed Tucker, da editora
Fábrica 231 se desbruça sobre esse fenômeno.
Red Tucker é
jornalista especializado em cultura pop, tendo trabalhado em várias
publicações, como o New York Post, Esquire e USA Today. Ou seja: é um
jornalista da área. Isso garante tanto uma linguagem agradável quanto um
conhecimento adequado. Mais ainda: como bom jornalista, Tucker vai procurar
causos interessantes, curiosidades dessa guerra – que tornam o livro
extremamente divertido.
A DC foi a
inventora do negócio. Os super-heróis surgiram com a publicação de Super-homem
em Action Comics 1, em junho de 1938 (os donos pagaram apenas 130 dólares pelos
direitos do personagem). Depois surgiram Batman, Mulher Maravilha, Lanterna
Verde, todo um panteão de personagens. A trindade (Super-homem, Batman, Mulher
Maravilha) sobreviveu até mesmo aos difícieis anos 1950, quando os quadrinhos
foram acusados de provocar delinquência juvenil e muitas editoras fecharam suas
portas.
Mas ser a
primeira tem seus problemas. Na DC isso se refletiu na forma de
conservadorismo. Os artistas iam trabalhar de terno e gravata e a tríade de
editores dos anos 1960, Mort Weisinger, Julie Schwartz e Robert Kanigher se
destacava pelo caráter abusivo. Weisinger ligava para o roteirista Jim Shotter,
então com 13 anos, para chama-lo de idiota. Dizem que no funeral de Weisinger,
em 1978, o rabino convidou os participantes a se levantar e discursar sobre as
boas qualidades do falecido. Depois de um longo silêncio, alguém lá no fundo
gritou: “O irmão dele era pior!”.
Enquanto no
luxuoso prédio da DC imperava o conservadorismo, na discreta Marvel se operava
uma revolução. A Marvel surgira pouco depois da DC publicando anti-heróis, como
Namor e Tocha Humana e fora responsável pelo grande sucesso da guerra, o
Capitão América. Mas assim que terminou o conflito, suas vendas caíram. No
final dos anos 1950, a editora se resumia a uma sala e dois funcionários: o
editor Stan Lee e uma secretária e se especializava em imitar qualquer coisa
que estivesse fazendo sucesso em outra editora.
Stan Lee já
estava para chutar o balde e partir para um emprego melhor quando resolveu
fazer uma última tentativa. O dono da Marvel ordenara que ele fizesse uma cópia
da Liga da Justiça, que estava fazendo sucesso na DC: “Ei, talvez ainda haja
mercado para super-heróis. Por que não traz uma equipe como a Liga da Justiça?
Podemos chama-la de Liga Correta ou algo do tipo”, disse Martin Goodman para
Stan Lee.
Mas, junto com
Jack Kirby, Lee elaborou algo completamente diferente: o Quarteto Fantástico,
publicado em agosto de 1961. Até então, a pequena editora nunca apresentara
concorrência à DC. Mas Quarteto Fantástico mudou tudo. Era um quadrinho
completamente diferente do que se fazia à época. Antes dele, os heróis de
quadrinhos eram monodimensionais e, reflexo disso, todos falavam da mesma
maneira. Tucker conta que era possível trocar os balões dos heróis da Liga da
Justiça sem qualquer prejuízo para a história. No Quarteto Fantástico, cada um tinha uma
personalidade, um modo de falar e de encarar o mundo.
Se na DC os
heróis pareciam muito felizes com seus poderes, no Quarteto, eles eram fontes
de problemas, em especial para o monstruoso Coisa. E eles brigavam. Na primeira
edição há pelo menos três pontos de conflitos entre os heróis. Na edição 2, a
Mulher Invisível diz: “Nós vamos nos destruir se ficarmos pulando no pescoço um
do outro!”.
Além disso, as
histórias dos vários personagens faziam parte de um universo único,
interconectado. Dizia-se que se estivesse trovoando em um gibi, estaria
chovendo no outro. E, a cereja do bolo: a arte extremamente dinâmica de Jack
Kirby, perfeita para as inúmeras cenas de luta.
O resultado
disso é que logo as revistas da Marvel estavam superando as da Dc em percentual
de vendas. Enquanto revistas como Super-homem vendiam 50% da tiragem, as da
Marvel vendiam mais de 70%.
Os donos e
editores da DC não se dignaram a ler as revistas para saber o que estava
fazendo com que elas fossem especiais. Não podia ser as histórias, já que se
imaginava que o público de quadrinho fossem crianças semi-alfabatizada. Também
não podia ser a arte de Jack Kirby, muito “inferior” ao que se fazia na DC. A
solução só poderia estar nas capas.
Reed Tucker
conta os bastidores de uma hoje hilária reunião da DC em que os figurões da
editora tentavam descobrir o que havia nas capas da Marvel que fazia as
revistas venderem. Podiam ser o vermelho? As logos inúteis? Os balões prolixos?
A arte “ruim” de Jack Kirby, que provocava uma associação com as crianças?
O resultado dessa cegueira nós conhecemos: a Marvel logo se tornou a
maior editora de quadrinhos dos EUA. Por breves períodos a DC conseguiu
suplantá-la. Tucker conta em detalhes essa saga, do início do gênero à explosão
dos super-heróis no cinema. Isso numa linguagem divertida, fluída. Mal se
percebe que o volume tem quase 300 páginas.
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