segunda-feira, janeiro 07, 2019

Doutor Estranho - uma realidade à parte


No início da década de 1970 o desenhista Frank Brunner estava insatisfeito com o roteirista Gardner Fox, com o qual fazia parceria na série do Dr. Estranho. A série parecia conservadora demais, focada sempre no monstro do mês. Quando o editor-chefe Roy Thomas perguntou-lhe quem ele gostaria que escrevesse o título, a resposta veio rápida: Steve Englehart. Os dois tinham se conhecido em uma festa e logo descobriram que tinham muita coisa em comum: em especial o interesse por HP Lovecraft, Carlos Castañeda, ocultismo e drogas alucinógenas.
Englehart, Brunner, Jim Starlin e outros passavam noites acordados, rodando por Nova York em estado alterado de consciência, bolando histórias. Foi assim que surgiu Thanos, a melhor fase de Warlock e do Capitão Marvel e foi assim que surgiram as histórias clássicas do Dr. Estranhos reunidas no álbum Uma realidade à parte, da série de graphic novels Marvel.
Englehart introduziu filososofia zen-budista no título

Desde a fase de Ditko e Lee o personagem jamais havia alcançado o nível das primeiras histórias. Mas Englehart e Brunner levaram o personagem muito além, em histórias verdadeiramente lisérgicas em que os limites pareciam ser testados a cada número. Zen-budismo, taoísmo e lisergia dominaram as páginas. Englehart começou colocando o personagem em uma situação em que ele é obrigado a matar o seu próprio mestre (num reflexo da famosa frase zen: se encontrar com Buda, mate-o) para só depois perceber que ao invés de morrer ele se integrou ao cosmo. Depois o personagem é obrigado a enfrentar um ser tão poderoso que se considera Deus e volta com ele ao passado e vê a criação do universo. Finalmente, enfrenta um fanático religioso e, para não ser morto, refugia-se em  um mundo que se revela surreal.

A fase do personagem é resumida na abertura de uma das histórias: “O cosmo: eterna e proibitiva escuridão. Os homens constroem coisas para se abrigar de seus mistérios. Uma dessas coisas é a realidade... a convencional sabedoria das massas. Mas um homem vive uma realidade à parte... uma realidade verdadeira. Ele não se encolhe diante do desconhecido”.

Se o roteiro levava o personagem a mundos verdadeiramente estranhos – totalmente diversos do mundo que a maioria dos super-heróis vivia, o desenho contribuía ainda mais para essa impressão de lisergia, com experimentações visuais e imagens que se alongavam pela página, quebrando a diagramação – nem mesmo Ditko havia sido tão experimental em suas imagens para o título.


Essa junção de elementos faz com que Doutor Estranho – uma realidade à parte, seja um dos títulos fundamentais da coleção de graphic novels Marvel. 

Sem comentários: