Vamos falar de adaptações.
Bem, a primeira coisa que vocês
devem fazer é ler com atenção a obra que vai ser adaptada. Essa leitura deve
ser feita de forma a tirar do texto aquilo que Alan Moore chama de idéia e eu
chamo de tema.
Sobre o que é a história?
Vocês podem mudar tudo, podem mudar a ambientação, os personagens, mas o
essencial, que é o tema, deve se manter.
O ideal é que também o tipo de
narrativa se mantenha, se você quiser se manter fiel ao autor (e não estiver
fazendo uma adaptação apenas para ridicularizá-lo, como faziam os músico
da banda Mutantes com as músicas antigas).
Se você for adaptar Viagens
de Gulliver, deve se lembrar a todo instante que a história é uma alegoria
política. Ao invés de ser um navegante, o Gulliver de sua história poderia
ser uma astronauta, mas, mesmo assim, as situações em que ele se envolvesse
deveriam ser alegorias políticas.
Gostaria
de me reportar a um caso específico: o livro Coração das Trevas, de Joseph Conrad.
Esse livro teve uma ótima adaptação para o cinema, nas mãos do Coppola, o filme
Apocalipse Now. E eu também me arrisquei a adaptá-lo.
O livro
é sobre como situações limites podem mexer com a cabeça das pessoas.
É também uma crítica ao colonialismo.
No
livro, um homem chamado Marlow está em um navio com outros homens e ele começa
a contar a história de quando trabalhava como mercador de marfim nos países que
eram colônia da Inglaterra.
O filme
de Copola se passa durante a guerra do Vietnã. Minha história é uma ficção
científica e se passa em um planeta distante.
Como
vocês podem ver, tanto eu quanto o Copolla mudamos a ambientação. Mas a
essência se manteve.
Eu
defino a essência da história logo na primeira página, quando o personagem
narrador diz: “Vou contar uma história, senhores. Ela é sobre um homem. A trama
e os detalhes talvez não importem. Apenas o homem importa”.
No
livro de Conrad não acontece quase nada. O mais importante, para Conrad é a
descrição psicológica dos personagens e a análise de como eles se comportam em
situações limites. Isso foi mantido tanto na minha adaptação quanto na do
Copolla.
De
resto, há várias diferença e semelhanças entre minha adaptação e a do Copolla.
Eu mantive a idéia de uma pessoa contando história para outras. Copolla
eliminou isso, mas manteve a narrativa densa, pesada, característica do Conrad.
Também
acho importante ser fiel à forma do autor. Na minha adaptação, fiz questão de
usar frases que não são características de minha prosa, mas que você encontra
muito no livro de conrad. Exemplo: "Mesmo sem o terem visto, vocês se
lembrarão dele pelo resto da vida. Para quem o conheceu, talvez a lembrança de
seu rosto possa ser levada até para depois da morte".
O
livro de Conrad também é sobre a crueldade do imperialismo. No caso dele, o
imperialismo britânico. No caso de Copolla, o imperialismo norte-americano. Eu
transportei a situação para o futuro para dar à história um caráter mais
universal. A empresa de minha história pode ser qualquer grande império.
Ah,
como homenagem ao filme Apocalipse Now, eu pedi ao desenhista que fizesse os
cenários como se fosse uma espécie de Vietnã alienígena.
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