Constantemente um roteirista
precisa escrever histórias que se encaixem dentro de um determinado gênero,
seja policial, terror, infantil, humor, super-heróis, ficção-científica ou
qualquer outro que exista ou venha a existir.
A
primeira coisa a fazer é ler o máximo possível de histórias dentro daquele
gênero, para perceber a linguagem e as convenções do mesmo.
Sim, existem formas estabelecidas
de fazer histórias dentro de determinados gêneros. Nos super-heróis, por
exemplo, é padrão começar a história com uma splash page ambientando o leitor
e, ao mesmo tempo, criando uma situação de suspense e impacto.
Mas,
mais importante do que perceber as convenções, é compreender a essência daquele
gênero, o que muitas vezes permitirá que você faça um trabalho inovador.
Vou dar
um exemplo. O gênero terror tem sua origem no revolucionário trabalho de Edgar
Alan Poe. Poe achava que se deveria escrever a história de trás para a frente.
Ou seja, primeiro se criava um final fantástico, surpreendente, e depois se
criava uma trama que desembocava nesse final apavorante.
Qualquer um que já tenha lido um conto
de Edgar Alan Poe sabe que essa técnica provoca mesmo um efeito terrível no
leitor. É como se o final surpresa tirasse o chão debaixo dos nossos pés, como
se suas certezas fossem abaladas.
A
editora americana EC Comics levou esse conceito ao extremo na década de 1950.
Nada era o que parecia nas histórias da EC. Até mesmo os padrões dos quadrinhos
eram desrespeitados para dar ao leitor um final surpresa. Assim, um homem
educado, de óculos, lendo jornal, podia ser um louco. Um bom policial podia ser,
na verdade, um assassino, e assim por diante.
A revista nacional Calafrio,
publicada no Brasil na década de 1990, transformou essas convenções em regra
fixa. Assim, existiam dois tipos de histórias na Calafrio: 1) a vítima que
volta do túmulo para se vingar; 2) o personagem bonzinho que vira monstro (ou
vampiro, ou demônio, ou lobisomem) no final.
O resultado disso é que, o que
deveria surpreender, virou tédio. O leitor sempre sabia que a vítima sempre
voltava da morte para se vingar e que os personagens bons sempre viravam
monstros no final.
Melhor do que seguir um padrão
rígido, portanto, é procurar entender os objetivos do gênero. No terror, por
exemplo, o objetivo é deixar o leitor com medo. Existe um livro chamado O
Cemitério, de Stephen King. O próprio King achou-o tão apavorante que relutou
anos antes de deixar que o publicassem. A contra-capa dizia que era uma obra
que tinha deixado com medo o próprio mestre do horror. O que tem em O
cemitério? O que poderia ser tão apavorante a ponto de fazer com que King não
quisesse publicar? Simples, o filho do personagem principal morre. Isso pode
parecer bobagem para uma pessoa solteira, mas é o horror dos horrores para quem
é casado e tem filhos pequenos (como era o caso de King, na época). Ou seja,
ele colocou o seu medo mais íntimo no livro – e isso o assustou – e continua
assustando milhares de pessoas até hoje.
Dessa forma, ao fazer pela
primeira vez uma história infantil, leia várias histórias infantis (de
preferência de autores diferentes) e procure identificar como eles fazem, mas,
acima de tudo, procure lembrar do que você gostava de ler quando era criança.
Se for possível, converse com uma criança, afinal ela será o seu público-alvo.
Maurício de Souza, embora tenha
lido muitos quadrinhos infantis (a influência de Charlie Brown é óbvia), criou
seus personagens baseando-se nas lembranças dos amigos da infância e nas suas
filhas.
Ao fazer uma história de
ficção-científica, lembre-se de que esse é um gênero que tem como objetivo
levar o leitor até onde nenhum homem jamais esteve (como já dizia a abertura de
Jornada nas Estrelas). Ou seja, é um gênero que vai ultrapassar os limites de
nossa imaginação.
Ao fazer uma história de humor,
leia várias revistas de humor, de autores diferentes, mas só se sinta seguro
sobre seu roteiro quando estiver achando graça do que está escrevendo. Há algum
tempo editei uma revista voltada para o público universitário chamada O Pavio.
Ela tinha o diferencial de ser uma revista que trabalhava muito com humor. Até
mesmo as matérias jornalísticas precisavam ter toques de humorísticos. Como nem
sempre os jornalistas conseguiam isso, tínhamos que trabalhar o lado engraçado
de títulos, charges e dos quadrinhos. Enquanto fechava a revista, eu, de vez em
quando, me pegava rindo sozinho, achando graça do que tinha escrito. Não por
acaso, aquilo que eu achava mais engraçado era também o que mais agradava o
leitor.
Ainda referenciando essa revista,
a edição que fez mais sucesso foi uma em que fizemos um especial sobre buracos.
Macapá é provavelmente a capital com mais buracos do país. No brainstorn de
criação, nós nos lembramos de todas as situações ruins pelas quais já havíamos
passado por causa dos buracos e até das piadas que já tinham nos contado. O
resultado disso foi que a revista captou a revolta popular. Uma das piadas
criadas nesse número (de que o asfalto usado na cidade era sonrisal, dissolvia
na água) é contada até hoje pelos amapaenses. Nós havíamos captado um aspecto
importante do gênero: o princípio de que o humor é uma forma de expressar
revolta.
Sobre
o gênero super-heróis, a primeira coisa a
se saber é que o universo dos gibis de super-heróis tem suas regras próprias. A
primeira delas é a splash page.
"O que diabos é isso?", pergunta-se o leitor, folheando aflito o dicionário
de inglês.
A splash page é uma página com um único
quadrinho que vem, em geral, no início das histórias. Nela devemos ver, de
preferência, uma cena de impacto visual e uma situação de suspense que encoraje
o leitor a folhear o resto do gibi na banca e, quem sabe, comprar...
No caso das revistas
seriadas, a splash page pode
recapitular o gancho da última história. Tipo: "O Homem Aranha está caído,
inconsciente e algumas pessoas se aproximam furiosas, dispostas a tirar sua
máscara. Conseguirá nosso herói resguardar sua identidade secreta? Descubra
isso nesta fantástica história chamada.. A MÁSCARA OU A VIDA!!!!"
É, Stan Lee adorava
essas coisas. Como o leitor esperto já deve ter adivinhado, a splash page é o lugar da história onde
aparece o título e os créditos (nome do roteirista, do desenhista, etc).
A splash page tem
dois objetivos: 1- chamar a atencão do leitor para a história; 2 ambientá-lo no
contexto da narrativa.
Há outra maneira de
trabalhar com a splash page. Reserva-se a primeira página para uma sequência
qualquer que desemboque numa grande cena de impacto, que ocupe as páginas 2 e
3. É o que chamamos de página dupla.
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