O futebol no Brasil é uma espécie de obrigação nacional. Eu,
embora não desdenhe do esporte, evito jogar para não provocar brigas entre
amigos. É que, quando eu era criança, nas aulas de educação física, os times
sempre brigavam por mim:
- Você fica com ele!
- Está doido? Prefiro ficar sem goleiro!
Logo o professor dessa emérita disciplina descobriu que a melhor
forma de lidar com esse problema era me deixar no banco de reservas (às vezes
eu levava um livro para passar o tempo e ficava lá, lendo, sob o olhar aliviado
dos companheiros).
Então eu nunca tive muita razão para gostar de futebol, não sei
data de jogos, não sei quem são os jogadores e sempre me espanto ao descobrir
que o Corinthians, que estava em crise, depois era campeão e agora está em
crise de novo, num período de tempo que me parece muito pequeno. Isso, aliás,
me dá a impressão de que o futebol muda mais que a ciência e a filosofia.
Heráclito, para quem tudo está em constante mutação, devia ser técnico de
futebol.
Mas, embora eu não goste de futebol, assisto a todos os jogos da
seleção brasileira na Copa do Mundo.
Esse comportamento anômalo tem uma origem remota, na Copa de
1982. Qualquer um que tenha passado pela Copa de 82, por mais que não goste de
futebol, bate ponto na Copa do Mundo.
Eu tinha apenas 11 anos na época e minha memória já não é mais a
mesma, mas lembro que havia toda uma mística sobre a seleção. Dizia-se que era
a melhor equipe de craques já reunida. Uma seleção de reis tendo como
imperadores Sócrates e Zico. No imaginário popular, esses dois só perdiam para
Pelé. Era a seleção canarinho, 120 milhões em ação. A música cantada por Júnior
vendeu 600 mil cópias e era lembrado de cor por todos os garotos:
Voa,
canarinho, voa
Mostra
pra este povo que é rei
Voa,
canarinho, voa
Mostra
na Espanha o que eu já sei
Verde,
amarelo, azul e branco
Formam
o pavilhão do meu país
O
verde toma conta do meu canto
Amarelo,
azul e branco
Fazem
meu povo feliz
E o
meu povo
Toma
conta do cenário
Faz
vibrar o meu canário
Enaltece
o que ele faz
Bola
rolando
E o
mundo se encantando
Com
a galera delirando
Tô
aqui e quero mais.
A empolgação era tanta que, antes e depois dos jogos eu e um
amigo, igualmente perna-de-pau, arriscávamos uma pelada na rua. Isso, claro,
antes de começar a transmissão. Nessa hora, todo mundo grudado na TV, o coração
a mil.
O mascote da copa era uma laranjinha |
Na época eu não podia perceber isso, mas hoje acredito que a
esperança no escrete canarinho não era só futebolística. O Brasil estava
saindo, muito lentamente, de uma ditadura e começava a vislumbrar uma era de
liberdade e isso era, de certa forma, repassado para o futebol. Se a vitória na
Copa de 1970 servira aos militares, a Copa de 1982 serviria à democracia.
E as perspectivas eram as melhores possíveis. A seleção de
craques e o futebol arte de Telê Santana fez 2 a 1 na União Soviética, 4 a 1 na
Escócia, 4 a 0 na Nova Zelândia e 3 a 1 na Argentina. As goleadas empolgavam a
torcida e na escola não se falava em outra coisa. Era impossível não acreditar
que o Brasil seria campeão!
O próximo adversário era a Itália, uma equipe que na primeira fase
empatara todos os jogos numa chave fraca com Peru, Polônia e Camarões
(estreante na Copa e um país pobre, que logo angariou a simpatia dos
brasileiros) e só passara para a segunda fase graças ao saldo de gols.
Seria moleza. Mas não foi. Paolo Rossi fez a diferença e três
gols. O Brasil, irreconhecível, só conseguiu colocar a bola na rede duas vezes.
Para quem já se achava campeão, foi um balde de água fria.
Lembro que o Jornal Nacional inteiro daquela noite foi sobre a derrota da
seleção. A televisão mostrava imagens das pessoas chorando na rua e de fato,
aonde eu ia, encontrava pessoas cabisbaixas, tristonhas.
A esperança na Copa, que àquela época se misturava com a
esperança de democracia e de dias melhores, acabara nos pés de Paolo Rossi.
A partir daí, embora eu não gostasse de futebol, continuei
acompanhado religiosamente as Copas do Mundo. Mas, nunca, nunca uma Copa foi
tão emocionante quanto aquela. Como um amor que não se realiza, e por isso é o
melhor de todos, a seleção de 1982 ficará eternamente marcada como a melhor de
todas.
Sem comentários:
Enviar um comentário