Um dos males de Machado de Assis foi ter, com sua obra de
incontestável qualidade, a idéia de que um romance só vale pela análise
psicológica dos personagens, ou pela construção sociológica da história. A
predominância de Machado em nossa literatura fez com que o modelo literário
brasileiro passasse a ser uma marcha lenta constante. No Brasil, autores como
Isaac Asimov, que sempre centraram suas obras na trama, seriam relegados pela
crítica ao ostracismo. Claro que isso tem relação direta com diferença entre
Brasil e EUA. A literatura norte-americana se formou em meio ao fenômeno da
massificação e da industrialização. De repente, uma enorme massa de pessoas
alfabetizadas e com dinheiro estava interessada em diversão e comprava tudo que
saía, de jornais aos famosos pulp fiction, passado pelos gibis. Embora,
evidentemente, houvesse autores que centrassem sua atenção mais na psicologia
dos personagens, ou nas questões estilísticas, havia uma boa tradição de obras
escritas com pé na trama. Uma tradição que vem de Edgar Allan Poe. No Brasil, o
guia literário sempre foi Machado, um funcionário público que escrevia livros,
com ritmo de uma vela que queima, para um público aristocrático.
O único gênero em que a ênfase sobre a história pareceu
sobreviver foram os livros juvenis e infantis. Foram neles que surgiram grandes
autores, tais como Monteiro Lobato e Marcos Rey, que deliciaram gerações de
leitores. Lobato, aliás, costumava dizer que não fazia literatura, para
diferenciar sua obra dos "acadêmicos".
Mas essas crianças e jovens, que moravam nos livros de Lobato ou
de Marcos Rey, quando ficam adultos, ou se acostumam com a literatura
brasileira em marcha lenta, ou buscam autores estrangeiros. São poucos os
escritores que se dedicam a gêneros mais populares.
Essa longa introdução é, na verdade, para falar de O Nome da
Águia (Novo Século, 2008, 320 págs.), de autoria de Alexandre Lobão. O livro
não tem nada do que se tem visto como qualidade nos autores nacionais: não há
longas análises de personagens, nem preocupações sociológicas. Também não há um
estilo rebuscado. Há apenas uma história intrigante e bem amarrada, que poderia
dar um bom seriado ou (melhor) uma história em quadrinhos.
Lobão, que é roteirista de cinema e quadrinhos, aposta todas as
suas fichas na ação e no suspense causado pelos vários ganchos jogados ao longo
da história. Além disso, o livro apresenta narrativas alternadas, um capítulo
no presente e outro no passado, mostrando encarnações passadas dos personagens.
Lembra os bons quadrinhos da década de 1980, período em que os artistas
exploraram ao máximo as potencialidades narrativas da nona arte, em histórias
pouco convencionais e não lineares.
A história de O Nome da Águia começa em 3497 antes de Cristo,
numa pequena tribo de hebreus. Sete personagens recebem dons especiais. Entre
eles, dois se destacam: Hebel encarna o amor de Yahweh; Qnah, a paixão.
A narrativa, em seguida, pula para o ano de 2012 depois de
Cristo, quando um arqueólogo alemão descobre um documento em hebraico nos
restos do bunker de Hitler e comunica a um amigo.
A partir daí, vamos acompanhando as descobertas dos dois
cientistas e a perseguição sofrida por eles, alternadas com a narrativa das
várias encarnações pelas quais vão passando Qnah e Hebel, que tomam rumos
completamente diferentes. Enquanto Hebel difunde a palavra de Deus através de
exemplos e da bondade, Qnah tenta fazê-lo através de impérios. Nesse sentido, a
trama é um tanto óbvia. Torna-se evidente que Qnah irá encarnar reis, como
Alexandre, O Grande e Alexandre Janeu, rei da Judéia ou mesmo Átila. Por outro
lado, Hebel irá encarnar Buda e mesmo Jesus. O interessante aí é não só
adivinhar que personagens eles personificarão, mas perceber como o autor irá
explicar as inevitáveis incoerências, como o fato de Qnah encarnar Herodes, que
manda matar o menino Jesus, e depois irá encarnar papas ferrenhos defensores do
cristianismo. Ou como esse personagem, sendo originalmente hebreu, virá a ser
Hitler, o maior perseguidor dos judeus.
Surpreendentemente, Lobão consegue atar os fios soltos da trama,
explicando até mesmo as incoerências. Essas incoerências, aliás, acabam se
tornando, na narrativa, uma forma de ironia.
Algo interessante em O Nome da Águia é o uso da reencarnação.
Num país em que há uma parcela considerável da população que acredita no
espiritismo, é surpreendente que outros escritores não usem esses preceitos em
seus escritos. Na verdade, os livros que falam sobre o assunto são
exclusivamente religiosos. Lobão percebeu a possibilidade narrativa que a
reencarnação oferece, ao mostrar como a atuação dos personagens no presente
está calcada em suas vidas passadas. E faz isso sem dogmatismo. Ele não quer converter
o leitor, quer apenas usar um artifício narrativo pouco usual.
A edição da Novo Século contribui para o bom resultado da obra.
Diagramação correta, papel de encorpado, capa com ilustrações em alto relevo.
Só faltou uma maior preocupação com a revisão, especialmente com o tempo
verbal, que oscila do passado para o presente, às vezes no mesmo parágrafo,
como no trecho a seguir: "A multidão abriu espaço enquanto o grupo se
encaminhava ao centro da aldeia. Lá chegando, Hebel e Qnah sobem em um pequeno
palco no canto da área central". Não é o fim do mundo, mas essa ida e
volta dos tempos verbais incomoda o leitor mais atento.
De resto, O Nome da Águia acaba sendo um bom thriller de ação
num mercado que carece desse tipo de obra.
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