Os churrascos reuniam alguns dos principais artistas da Grafipar |
No final dos anos 1970 e início dos anos 1980 formou-se em Curitiba algo único no mundo: uma vila de quadrinistas. A vila surgiu em decorrência do sucesso da Grafipar, editora cujo sucesso estava calcado principalmente nas revistas eróticas.
Watson e Bonini foram os primeiros a ir para Curitiba e dividiram o mesmo caminhão de mudanças. Cláudio Seto, sempre muito amigo, tratou de acomodá-los em uma casa no bairro de Três Marias, parte do bairro São Brás, onde ele morava. As duas famílias ficaram provisoriamente numa casa de três quartos. O Watson com a mulher e três filhas e o Bonini com a mulher e um filho. Logo depois vagou a casa ao lado e o Bonini foi pra lá, acolhendo o Itamar, que era solteiro e chegou logo depois.
Um mês depois, chega Gustavo Machado e fica provisoriamente na casa de Bonini. "Como eu era solteiro, juntamente com o Itamar alugamos uma casa de fundos no bairro das Mercês. Dois meses depois, vagou uma casa atrás da casa do Watson e nós dois fomos pra lá".
Cerca de um ano depois, vagou uma casa ao lado e Franco de Rosa, com a mulher e filho foram pra lá. Nesta época, o Bonini se separou da mulher e voltou para o Rio e o Itamar mudou-se, sozinho, para a casa deles. "Assim ficamos até 1983, Franco, Itamar, Watson e eu, formando a vila dos quadrinistas", lembra Gustavo.
Apesar de trabalharem muito, os artistas também se divertiam. Sempre que ia para Curitiba, Rodval Matias ficava hospedado na casa de Cláudio Seto. Um dia ele o levou para conhecer a vila dos quadrinistas. Rodval, preocupadíssimo em não incomodá-los em seu trabalho, encontrou-os soltando pipa na rua. “Esse era um dos hobbys do Watson e do Itamar”, lembra Gustavo Machado.
"O clima da ´vila´ era fantástico ( mesmo descontando o saudosismo): o muro entre a minha casa e a do Watson era passagem obrigatória para todos, quase que diariamente", garante Gustavo Machado. "Quantas vezes da janela do meu quarto-estúdio via o Franco pulando com um monte de material pra casa do Watson e vice-versa!"
Embora o clima frio de Curitiba não fosse favorável, o grupo às vezes fazia churrascos, rodinhas de violão com Watson arranhando Bealtes e Roberto Carlos.
Certa vez Gustavo e Watson pegaram um gravador estéreo do Franco e fizeram uma fita só com palhaçadas. "Era a ZYV (de viado) Rádio Difusora de Cu Alegre. Franco e Bonini (que havia voltado do Rio) se entusiasmaram e num sábado, passamos o dia todo “produzindo” uma programação da Rádio. Tenho essa gravação até hoje e guardo com o maior carinho. O Seto estava sempre por lá (morava perto) para trocarmos ideias, ou pra pegar ou levar material e também quebrava nossos galhos porque só ele tinha telefone e carro. Levava os visitantes que apareciam pra nos conhecer e muitas vezes os hospedamos".
Casa de Gustavo Machado |
Um desses fãs foi o mineiro João Batista Baldisseri, que ficou hospedado na casa de Gustavo. Aquele contato com o mundo dos quadrinhos fez com que ele se empolgasse para realizar na sua cidade, Araxá um famoso encontro de quadrinhos que fez sucesso.
A vila estimulou a troca de informações e experiências entre os artistas, unindo-os em torno de um objetivo comum. “A convivência com a turma de Curitiba, que tinha também Paulo Nery (Na época Paulo Lima – médico e quadrinista), Eros Maichrowicz e Toninho Lima, que moravam na cidade ou em cidades próximas, além da freqüente presença de Ataíde, Josmar Fevereiro, Seabra, Rodval Matias, Kimio e Mozart Couto (só por telefone - ele não sai de Juiz de Fora) era um estímulo muito grande”, lembra Franco.
O folclore sobre a vila de quadrinistas era incentivado pelos próprios artistas. No texto “Missão Impossível”, publicado na revista O Exterminador, 1, Franco de Rosa recebe, pelo correio, uma missão: descobrir o que Watson e Itamar estão fazendo. Usando um clima de texto de espionagem, Franco descreve o cotidiano da vila dos quadrinistas:
"Fui até a casa do Gustavo, meu vizinho do lado esquerdo (sem conotações políticas, por favor). Entrei na cozinha assobiando a senha dos vizinhos, como é de praxe entre nós, quadrinistas da vila. Peguei o Gustavo no flagra, mexendo na bundinha da Malícia, com ecoline amarelo. Papo furado pra pagar pedágio, e prossegui para cumprir minha missão. Saltei o muro do fundo do quintal do Gustavo e sobre os verdes gramados do fundo do quintal do Watson (...) Adentrei no estúdio do Watson e, como sempre, meu narigão ficou enroscado em algumas milhares de folhas de samambaia que existem naquele antro de gibis velhos e móbiles de caças da 2 ª Guerra, a apontar pra gente.
Dos estúdios de quadrinistas em que entrei, sem dúvida o do Watson é o que perfaz um quociente maior de insanidade mental (...) Na altura do meu umbigo, em uma estante de vidro, dessas que a gente só vê em farmácias, tinha uma fileira de miniaturas de super-heróis, protegendo suas respectivas revistas empilhadas nas estantes (...)
O pernambucano é todo “cheio de dedo”. Tudo no lugar. Arrumadinho e espanado. Aviões, miniaturas de carrinhos de ferro, réplicas de uma dezena de revólveres do faroeste (...) Watson estava esboçando uma página do Zamor, mas começou a tocar no rádio uma velha canção do Roberto Carlos, e ele largou a prancheta num piparote. Saltou por um puta vaso que tem no meio do estúdio (eu juro que tem até cobra naquele mocó), e pegou o violão e começou a desafinar junto com as filhas, que entraram saltitando no estúdio.
Contemplei aquela pilha de gibis que rodeavam o ambiente e saquei que o Watson é uma ilha rodeada de gibis por todos os lados.".
Depois da casa de Watson, Franco vai para a casa de Itamar, vizinho pelo lado direito. Eles iniciam uma conversa sobre o personagem Exterminador, que dá título ao volume: “A gente fica o dia inteiro sentado nessa prancheta, pacatão. E essa violência toda que acontece nas ruas... quando eu morava em São Paulo, no Rio, presenciava cada uma! Minha infância, minha vida toda cheia de repressão. Sempre fui meio reprimido. Então preciso me extravasar em alguma coisa, eu me desforro no desenho ou curtindo filmes violentos. Tudo pra limpar a alma”.
De todos os integrantes da vila de quadrinistas, Watson era o mais badalado entre os fãs e muitos deles iam até Curitiba só para conhecê-lo. “Eles vinham achando que o Watson, com esse nome e fazendo aquelas histórias no etilo europeu devia ser alto, loiro, algo como um gentleman inglês”, lembra Seto. “Chegavam aqui e era a maior decepção”.
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