Um dos pensadores mais importantes da humanidade foi o filósofo francês René Descartes. Suas idéias mudaram a forma de pensar do mundo ocidental e inauguraram os pilares da metodologia científica.
Descartes era tudo, menos humilde. Ele queria criar uma nova forma de pensar, que fosse mais adequada aos novos tempos. É importante lembrar que o filósofo viveu em uma época de mudanças. O mundo passava do geocentrismo (a idéia de que tudo, inclusive o Sol, gira ao redor da Terra) ao heliocentrismo (a idéia de que é a Terra que gira ao redor do Sol), as grandes navegações demonstravam que havia todo um mundo a ser descoberto, a imprensa tornava possível que um pensamento se dissipasse com grande velocidade e, finalmente, os reis passavam a ter mais poder do que jamais tiveram em toda a Idade Média.
Em 1619, Descartes teve um sonho em que o espírito da verdade descia sobre ele. A partir desse dia, passou a se dedicar à busca da verdade e de uma nova forma de pensar, que tornasse o caminho em direção à verdade mais rápido.
Depois de andar por boa parte do mundo conhecido, recolhendo conhecimentos, ele se isolou em busca de um método próprio. Ele percebeu que o método característico da Idade Média, a lógica, não o levaria longe: “Verifiquei que, quanto à lógica, os seus silogismos e a maior parte de suas restantes instruções serviam mais para explicar aos outros as coisas que já se sabem”, escreveu ele no seu livro O Discurso do Método.
O novo pensamento, criado por Descartes seria baseado em quatro princípios:
1 – Nunca aceitar como verdadeira nenhuma coisa que não se conhecesse evidentemente como tal.
Ou seja, duvidar sempre. Aí o filósofo difere o conhecimento científico do teológico, baseado na fé. Enquanto a religião prega o acreditar sempre, a ciência partiria sempre da dúvida.
2 – Dividir cada uma das dificuldades que devesse examinar em tantas partes quanto fosse possível e necessário para resolve-las.
Descartes inaugurou com esse princípio a divisão do saber. Segundo a lógica cartesiana, não devemos pesquisar o fenômeno no todo, mas em partes. Para conhecer o corpo humano, devo dividi-lo em partes e estudar uma a uma. Esse princípio deu origem à especialização que se reflete na própria organização da escola. Temos professores de geografia, história, ciências, literatura, redação... muitas vezes o professor de história não entende nada de geografia e o professor de literatura não sabe nada de redação. A crítica a esse princípio seria a base do pensamento da cibernética e de Edgar Morin.
3 – Conduzir em ordem os pensamentos, iniciando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para chegar, aos poucos, gradativamente, ao conhecimento dos mais compostos, e supondo também, naturalmente, uma ordem de precedência de uns em relação aos outros.
Em outras palavras, ao resolver um problema devemos solucionar primeiro as partes mais simples para depois chegar às mais complexas. Esse princípio também leva a crer que o complexo é na verdade uma junção de partes simples, uma idéia que depois seria criticada por pensadores como Edgar Morin.
4 – Fazer, para cada caso, enumerações tão completas e revisões tão gerais que tivesse a certeza de não ter omitido nada.
Esse princípio, certamente advindo da matemática, teve como conseqüência, na ciência, na idéia de que não se deve confiar no primeiro resultado de uma experiência. O cientista deve refazer suas experiências à exaustão até ter certeza de que o resultado está correto. Mesmo em uma pesquisa bibliográfica esse princípio pode ser adotado. Já vi alunos que, ao fazerem uma pesquisa, usam apenas um livro como referência. Isso não é pesquisa, é cópia. Um trabalho de pesquisa deve comparar as idéias de informações de vários autores. Confiar no primeiro autor que se apresenta pode ser perigoso, pois esse autor pode estar equivocado.
Alguns anos depois, um cientista inglês, Isaac Newton, usaria os princípios de Descartes para resolver um problema científico: por que a Lua não cai na Terra? Mas isso será objeto de outro artigo. Por enquanto, vamos ver como Descartes usou o método para resolver um problema menos científico e mais filosófico.
O que o filósofo se perguntou é como podemos chegar a certezas. Ele já havia identificado que os sentidos não são confiáveis. Afinal, as pessoas haviam acreditado durante anos que o Sol girava ao redor da Terra simplesmente porque os sentidos lhe diziam isso.
Quantas vezes não somos enganados por nossos sentidos? Às vezes estamos em um navio e achamos que já começou a viagem, quando na verdade foi o barco ao lado que começou a se movimentar? Quantas vezes não temos sonhos que parecem perfeitamente reais?
A não confiabilidade dos sentidos fica demonstrada em filmes como Matrix. Neo acreditava piamente que a vida que levava era real, até descobrir que tudo era uma ilusão criada por um programa de computador...
No filme Uma Mente Brilhante, o personagem principal, um ganhador do prêmio Nobel, conversava com pessoas que não existiam.
Descartes imaginou-se dominado por um demônio da dúvida que o faria ter dúvida de tudo. Se eu duvido de tudo, se duvido até mesmo se estou realmente aqui escrevendo este texto, qual a minha única certeza?
A minha única certeza é de que tenho dúvidas. Se tenho dúvidas é porque penso. Se penso, logo existo. Cogito ergo sum.
Esse raciocínio de Descartes teve duas conseqüências. Por um lado a ciência procurou aperfeiçoar cada vez mais os instrumentos de pesquisa para fugir da validação subjetiva. Balanças, cronômetros, questionários, observação sistemática são instrumentos de pesquisa que tentam fugir da dúvida deixada pelos sentidos. Na filosofia, as idéias de Descartes inauguram o postulado da razão, que dominaria toda a Idade Moderna.
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