O título do livro A história secreta da
criatividade dá a entender que se trata mais um manual que ensina seus leitores
a se tornarem gênios criativos. Mas o livro de Kevin Ashton, lançado em 2016
pela editora Sextate é exatamente o oposto disso.
Para Ashton, não existem grandes gênios da
criatividade capazes de criar como se fosse magia. Ao contrário, criação é,
essencialmente trabalho, uma sequência interminável de tentativa de erro, de
descontentamento com os resultados: “O trabalho é a alma da criação (...) Não é
divertido, romântico, nem, na maior parte do tempo, interessante”.
Segundo o autor, a criação acontece através de
passos, não saltos: “Não existe uma mudança súbita de percepção. Vamos do
conhecido para o novo em pequenos passos. Em cada caso, o padrão é o mesmo:
começar com algo familiar, avaliá-lo, resolver qualquer problema e repetir até
que uma solução satisfatória seja encontrada”.
Ashton apreseta diversos exemplos, na ciência,
na tecnologia e nas artes, mas podemos trazer a questão para os quadrinhos. Um clássico
do quadrinho europeu, Asterix, visto como ápice da criatividade da dupla de gênios
Goscinny e Uderzo parece ter sido criado pronto, como aparentemente prova seu primeiro
e ótimo álbum. Mas qualquer um que conheça melhor a história da dupla sabe que
ambos fizeram várias tentativas até chegar no baixinho gaulês e seu inseparável
amigo Obelix. Antes de
Asterix vieram o pirata Jehan Pistolet e
o indío americano Umpa-pá. Nessas séries os dois experimentaram temas e
aborgagens (tanto visuais quanto literárias) que se tornariam célebres em
Asterix. Até mesmo o tema da aldeia vem de Umpa-pá. A série do gaulês seria o
resultado de anos de esforço da dupla tentando encontrar a melhor maneira de
fazer um quadrinho humorístico.
Segundo Ashton, a criação não é algo
reservado a gênios, mas a grande característica da espécie humana e o que nos diferencia
de todas as outras espécies. Outros animais usam ferramentas. Marmotas fazem
represas, pássaros constroem ninhos e macacos usam gravetos para pescar
formigas e pedras para quebrar nozes. O diferencial da humanidade é que em
algum momento nossos antepassados olharam para suas ferramentas primitivas e
pensaram: isso pode ser melhorado: “A capacidade de modificar qualquer coisa
foi o gatilho que transformou tudo”. A partir de então, a criação passou a ser
uma característica da espécie: “Ocupamos o nicho evolucionário do novo. O nicho
do novo não é propriedade de uns poucos privilegiados. É o que nos torna
humanos”.
O livro
prossegue falando de paradigmas, dissonância cognitiva, duplas criativas, as
experiências de Vygotiky que explicam porque as crianças são mais criativas que
os adultos. Mmuito curioso o desafio do marshmallow, em que grupos recebem
vinte varetas de macarrão, um metro de barbante e um metro de fita adesiva. O
desafio é construir uma torre para sustentar o marshmallow. As crianças
constroem torres de 68 cm, enquanto CEOs constroem torres de 53 cm , advogados
de 38 cm e estudantes de administração de 25 cm.
Enfim, A
história secreta da criatividade foi uma bela surpresa para um livro que só
comprei porque estava em promoção na Amazon. Uma das obras mais instigantes que
li recentemente.
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