segunda-feira, junho 29, 2020

Taoismo: a eterna transformação


            O taoísmo é baseado num pequeno livro de 81 versos chamado Tao Te King. Conta-se que o autor seria um velho chamado Lao Tsé.  Lao Tse viveu a primeira metade de sua vida, em torno do século 6 a.C. na corte imperial chinesa trabalhando como historiador e bibliotecário. Um dia, ele abandonou a corte e retirou-se para floresta, onde passou a viver como eremita, estudando e meditando. Depois de algum tempo, resolveu cruzar a fronteira da China. O soldado que guardava a fronteira, imaginando que as autoridades não iriam gostar se ele deixasse ir embora um homem tão sábio, impôs uma condição para que o velho atravessasse a fronteira: antes disso, ele deveria escrever um livro que reunisse toda a sua filosofia. Lao Tse sentou-se, escreveu rapidamente o pequeno livro, entregou ao soldado e foi embora para nunca mais ser visto.
            Essa é apenas um das versões para o surgimento do Tao Te King. Hoje não se tem certeza nem mesmo de que Lao Tse tenha existido e muitos pesquisadores prefere creditar o livro à tradição oral.
            O livro surge em um período conturbado da história chinesa. Por volta do ano 1000 a 700 a.C., a China foi unificada sob o domínio da Dinastia Zhou. No século 7 a.C. o império Zhou entrou em decadência. As famílias aristocráticas que governavam os estados começaram a brigar pelo poder absorvendo os estados menores. Essa época conturbada foi chamada de “período dos reinos combatentes”.
            Nessa época surgiu uma nova classe de homens, os shi, formada por camponeses ambiciosos e membros falidos da aristocracia. Eles ocupavam o cargo de administradores e conselheiros dos estados.
            Embora a maioria dos shi se ocupasse apenas de questões práticas, outros eram idealistas e pretendiam reformular a vida política chinesa com ideais morais e espirituais. Esses homens normalmente se reuniam em torno de um mestre, como Confúcio, e tentavam convencer os governantes locais a seguirem suas políticas. Outros se afastavam do mundo para viver uma vida feliz e simples em bosques, onde apenas pescavam e meditavam.
            O Tao Te King é uma mistura das visões desses grupos e de outros. Pode ser lido como um manual para governantes ou como um livro puramente espiritual e contemplativo. Política, religião e filosofia se misturam em uma obra que, ao mesmo tempo é simples e complexa, permitindo várias interpretações.
            Na dinastia Han (151-41 a.C.) o Tao Te King foi adotado como um dos principais manuais da corte. Surgiu também a versão de que ele teria sido escrito por um rei, o Huang Di (Imperador Amarelo). No final desse período, o taoismo já era uma religião, com o Tao sendo considerado seu livro sagrado. A lenda de que Lao Tse teria deixado a China chegou mesmo a ser ampliada do modo que ele teria ido para a China, trocado de nome para Gautama e fundado o budismo. Aliás, ao entrar na China, o Budismo foi influenciado pelo taoísmo, dando origem ao Zen Budismo.

Tao
            O principal conceito do taoísmo é de Tao. Lao Tse diz que era impossível descrever o Tao de maneira racional: “O caminho que pode ser seguido não é o Caminho Perfeito. O nome que pode ser dito não é o Nome eterno. No principio está o que não tem nome”. Assim, o Tao deve ser conhecido de maneira direta e intuitivamente. Para isso é necessário manter a mente tranqüila e esquecer os pensamentos a respeito das coisas eternas.
            Para conseguir compreender o Tao também é necessário ir além da dualidade. Nós achamos alguém belo e, por conseguinte, achamos outras pessoas feias. Ao concebermos o bem, criamos o mal. O Tao pretende ir além da ilusão da dualidade, vendo além dos pares opostos.

Eterna mudança
            Para os taoistas, a realidade é vista como um fluxo contínuo de mudanças. A essência de todas as coisas é justamente o fato de que elas estão em constante transformação.
            Os taoistas acreditavam que não só a mudança era parte essencial da vida, como era possível entender como ela acontecia harmonizando-se com a natureza e seu fluxo.
            Assim, o Tao é caracterizado como uma mudança cíclica. Dessa forma, afastar-se significa retornar. Se alguém andar ininterruptamente para oeste, acabará chegando a leste. Quando uma situação atinge seu ponto extremo, é compelida a voltar e se tornar seu oposto. Essa crença dá aos taoistas coragem e perseverança nos períodos de dificuldade cautela nos períodos de sucesso. Eles seguem uma doutrina de meio-termo evitando o excesso e o exagero, pois sabem que uma atitude extrema gera seu oposto.

Simplicidade
            Lao Tsé achava que o modo correto de viver era através da simplicidade e da sintonia com o Tao. Adaptação e humildade são virtudes vista como essenciais para os líderes, pois aquele que se intromete com violência no curso natural das coisas prejudica a si mesmo, a sociedade e causa o caos. O bom governo é aquele que menos se intromete na sociedade, deixando que ela cumpra seu curso natural: “Quanto mais leis e mandamentos existirem, mais bandidos e ladrões haverá”.
            As pessoas em posição de comando tendem a se achar melhor do que outras. Contrariando isso, o Tao Te King diz que o homem sábio não tenta se mostrar acima das outras pessoas. Constantemente, pessoas que falam demais são as menos sábias. Muitas pessoas ricas parecem não ter nada. Já por outro lado, pessoas enfeitadas de jóias e com roupas de marca muitas vezes moram em uma casa na favela.
            Da mesma forma, muitos acreditam que pessoas em alta posição devem estar em constante atividade, o que as deixa estressadas e impossibilita ver os fatos com ponderação. Como resposta, o taoísmo aconselha exercícios meditativos que conservam a energia e produzem um estado de quietude e equilíbrio.

I-ching
            As mudanças constantes do universo são representadas nas figuras do Yin Yang. Yang representa a força masculina do universo, violenta, criadora. Yin é a força feminina, receptiva, flexível. Yin é a intuitiva, meditativa e complexa. Yang é racional, criativo e ativo.
            Na filosofia taoista, Yin e Yang são elementos do mesmo processo.  Quando um chega ao seu auge, engendra o outro. Ser sábio é combinar esses dois pólos, harmonizando Yin e Yang.
O estudo do ciclo de Yin Yang, embora seja muito influenciado pelas ideias taoistas, é comum a toda a cultura chinesa e já existia em um livro ancestral, o I-ching.
            A mais antiga forma de adivinhação chinesa era a leitura de sinais nos ossos de bois, surgidos depois que eram expostos ao fogo. Daí foi criada a adivinhação em cascas de tartaruga. Na dinastia Shang, o oráculo era consultado com o uso de varetas. O sábio jogava as varetas e determinava se a linha era inteira ou cortada. Depois de jogar seis vezes, formava-se o hexagrama e era possível interpretar seu significado.
            Em torno do ano 1150 a.C., o imperador Shang Chou Hsin mandou prender o governador da província de Chou, o rei Wen. Na prisão, ele elaborou os julgamentos dos hexagramas. Posteriormente, seu filho tomou o poder, tornando-se imperador e, descobrindo o trabalho do pai, resolveu ampliá-lo, escrevendo os comentários às linhas mutáveis. Posteriormente, o oráculo foi enriquecido com comentários atribuídos a Confúcio e seus discípulos. 
            O I-ching não é um livro de adivinhações, pois ele não prevê o futuro, mas estabelece o estado em que as coisas estão, analisando a mudança e a relação entre as forças Yin e Yang.
            Por exemplo, no primeiro hexagrama, todas as linhas são inteiras. A imagem formada representa uma situação apenas de linhas fortes Yang, que significam força, criatividade e liderança, razão pela qual esse hexagrama é normalmente chamado de O criativo. O julgamento diz que as forças do céu impelem o homem e o ajudam a iniciar ou levar adiante um empreendimento. O comentário diz que “as forças da natureza favorecem tudo aquilo que se inicia”.
            O hexagrama oposto, chamado de O receptivo, é formado apenas por linhas cortadas, representando Yin, a passividade, a dedicação e concórdia, a diplomacia, a perseverança e a paz. O julgamento diz que o sucesso está garantido se a pessoa que consulta o oráculo colaborar e se deixar conduzir, mantendo-se sempre flexível e disponível. O comentário diz que “Ser receptivo é muito importante, pois todos os seres lhe devem o nascimento. Como a Terra, cuja função é receber a semente que depois darão os frutos, também obterá muitos benefícios aquele que souber tolerar e compreender as pessoas e as situações”.
Rituais
            No taoísmo religioso, um dos principais rituais é o de iniciação. Ele é usado para introduzir aqueles que estão interessados em tomar o taoísmo como seu caminho espiritual. A cerimônia pode ser bem simples ou mais elaborada, mas tanto em um caso como outro, são estabelecidos compromissos entre mestre e discípulo. Os iniciantes passam a receber proteção dos mestres taoístas. Os iniciados também podem participar, de modo que são renovadas as bênçãos dos mestres.
            No ritual de purificação são feitos pedidos de desenvolvimento espiritual. No ritual de oferenda são realizadas oferendas de frutas, flores, incenso, velas e alimentos para as divindades como forma de agradecimento e devoção. As oferendas representam desprendimento das coisas materiais e dedicação ao caminho de transformação espiritual. Através delas, Yin e Yang são fundidos, criando um estado de unidade no praticante.
            Cada oferenda tem um significado. O incenso simboliza a transcendência e dissolução do ego, correspondendo ao conceito de Wu Wei (ação não-intencional). As flores simbolizam a vida e correspondem ao conceito de Dzé Zan (natureza e naturalidade). As frutas simbolizam o desapego e desprendimento em relação aos valores materiais. A água e o chá representam a purificação e a remoção dos apegos, correspondendo ao conceito Chin Jin (Transparência e Pureza). Finalmente, as velas simbolizam o encontro de nossa Consciência com a Consciência Sagrada, correspondendo ao conceito Suen Hua (Transformação Natural).
            Nos templos taoístas também são feitos rituais de casamento, benção de crianças e ritos fúnebres.

O TEI-GI
            O  Tei-Gi, também conhecido como Yin Yang, é um famoso ícone popular. Mas poucos sabem o que significa. Seu desenho, na verdade, é uma interpretação icônica dos princípios do taoísmo. A figura é formada por duas partes, uma preta e outra branca. São os pares opostos, o Yin e o Yang: o masculino e feminino, o feio e o belo, o bom e o mal.
            As figuras formam uma espécie de onda, como se fosse a água se movimentando. Isso simboliza a eterna mudança, base de toda a criação. Então, os pares opostos não estão estaques, mas em movimento. Uma mulher que hoje é bela amanhã pode se tornar feia. O que hoje é bem, pode ser o mal. Assim, no auge da parte branca, temos um pequeno círculo preto, demonstrando que o auge de um estágio é o começo do estágio seguinte. O auge do sucesso marca o início da decadência, etc.
            Dessa forma, os pares opostos não são absolutos: o belo traz em si também o feio. O feio traz em si o belo. A imagem permite ver os pares opostos em uma perspectiva global e é o que faz o taoísta, indo além deles. Assim, para o taoísta, vitória e derrota são apenas dois lados da mesma moeda e não se deve apegar a nenhum deles, pois seria estar parado em um mundo de eterno movimento. 

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