Quando morava em Belém, eu e o compadre Bené
Nascimento fomos visitar um colecionador de quadrinhos. Ele tinha um cômodo em
seu apartamento apenas para guardar os gibis. Antes de entrarmos, ele perguntou
se já tínhamos comido alguma coisa. Olhamos um para o outro e pensamos: “Oba,
vai rolar o lanche!”. Respondemos que não e ele: “Ah, ainda bem, senão ia
mandar vocês lavarem as mãos”.
E era uma coleção impressionante, incluindo
muita coisa que não tinha saído no Brasil. Havia muita coisa inédita dos caras
que faziam sucesso na época, como Frank Miller, Neil Gaiman, Alan Moore. Lembro
que tinha Hard Boiled, de Miller e Geof Darrow, um quadrinho do qual já
tínhamos ouvido falar e que se tornara uma verdadeira sensação só por alguns
quadros vistos em outras publicações. Tinha a Piada Mortal original em inglês,
em espanhol... ficamos maravilhados.
Ao nos ver olhando fascinados aquele material,
ele nos perguntou: isso é bom? Como assim, isso é bom? É Frank Miller, é Alan
Moore, Neil Gaiman. Foi quando percebemos que, embora ele tivesse tudo desses
caras, ele não tinha lido nenhum trabalho deles. Ele comprava para colecionar,
para ter na coleção, não para ler.
Quando vi um dos vídeos mais recentes do canal
Pipoca e Nanquim, eu só me lembrei daquele colecionar.
No vídeo o Bruno Zago explicava que as páginas
em branco no álbum Solitário de Chabouté não eram defeito gráfico, mas um
intervalo entre um capítulo e outro.
O que tinha acontecido: várias pessoas tinham
comprado o álbum e devolvido à Amazon por causa do “defeito”. A Amazon mandava
outro álbum, que tinha o mesmo defeito. Então eles entravam em contato com a
editora pedindo um exemplar “sem defeito”.
Pelo que é mostrado no vídeo, fica óbvio para
qualquer um que tenha lido a obra que as páginas em branco são usadas para
demarcar o fim de um capítulo e o início de outro, o que significa que as
pessoas que reclamaram não se deram nem mesmo ao trabalho de ler a obra. Elas
folhearam, viram as páginas em branco e pensaram: “Eu paguei caríssimo por esse
álbum e ele veio com defeito, vou devolver”.
Ou seja: eram colecionadores, não leitores de
quadrinhos.
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