Entre os anos de 1992 e 1995 a Bósnia foi palco
de uma sangrenta guerra étnica. Saravejo, uma cidade até então símbolo de
tolerância, tornou-se o centro sangrento de um conflito em que um civil poderia
ter seus bens expropriados ou até ser morto apenas por pertencer à etnia
errada.
É esse conflito que Joe Sacco narra em Uma
história de Saravejo, publicado no Brasil pela Conrad em 2005.
O principal informante de Sacco é Neven, um
veterano que atuou em uma das milícias que defenderam a capital contra os sérvios.
O álbum todo é costurado em torno da figura de Neven. Ele mente para Sacco, o
explora, inventa histórias, arranja informantes que no final não sabem nada
sobre a guerra, mas querem dinheiro. Mesmo assim, acaba sendo útil por mostrar
o quanto a guerra foi dúbia e o tipo de pessoa que se envolveu nela.
Neven mostra também como Saravejo ficou repleta
de ex-combatentes, pessoas que haviam acostumado a matar e não sabiam fazer
outra coisa. O apartamento de Neven, totalmente caótico e repleto de lixo
espalhado por todos os lugares é a perfeita definição visual de Saravejo no
pós-guerra.
A guerra teve início com a desintegração das
repúblicas comunistas no pós-queda do muro de Berlim. Na Bósnia, o partido
nacionalista sérvio organizou grupos paramilitares para expulsar os não sérvios
e se unir à Sérvia. O governo bósnio tinha sido obrigado a entregar suas armas
para o Exército Popular da Iuguslávia. Quando os sérvios começaram a atacar
Saravejo, só quem podia defender a cidade eram grupos paramilitares,
verdadeiras gangues lideradas por bandidos e até por um cantor pop.
Essas gangues defendiam a cidade, mas também
tocavam o terror. Podiam entrar na casa de alguém e confiscá-la. Matavam
cidadãos de descendência sérvia. Sequestravam civis para cavarem trincheiras,
uma atividade extremamente perigosa num local repleto de franco-atiradores.
Chegou num ponto em que o próprio governo Bósnio, que finalmente conseguira
montar um exército, teve que dar um basta.
Joe Sacco não só conta a história, mas também
faz o perfil de cada um dos líderes de guanges, que se tornaram verdadeiros
astros pop. Entre eles o surpreendente caso de Jusuf Prazina Aka Juka, um
bandido que fora atingido num tiroteio antes da guerra e andava com muletas.
Mesmo com a dificuldade de movimento, era um dos mais cruéis e mais populares,
conquistando a admiração de milhares de fãs e seguidores, que embarcavam com
ele nessa jornada de sangue e atrocidades.
É essa guerra sem mocinhos que Joe Sacco narra
em seu álbum.
Sem comentários:
Enviar um comentário