sábado, novembro 28, 2020

Uma história de Saravejo

 


Entre os anos de 1992 e 1995 a Bósnia foi palco de uma sangrenta guerra étnica. Saravejo, uma cidade até então símbolo de tolerância, tornou-se o centro sangrento de um conflito em que um civil poderia ter seus bens expropriados ou até ser morto apenas por pertencer à etnia errada.

É esse conflito que Joe Sacco narra em Uma história de Saravejo, publicado no Brasil pela Conrad em 2005.

O principal informante de Sacco é Neven, um veterano que atuou em uma das milícias que defenderam a capital contra os sérvios. O álbum todo é costurado em torno da figura de Neven. Ele mente para Sacco, o explora, inventa histórias, arranja informantes que no final não sabem nada sobre a guerra, mas querem dinheiro. Mesmo assim, acaba sendo útil por mostrar o quanto a guerra foi dúbia e o tipo de pessoa que se envolveu nela.

Neven mostra também como Saravejo ficou repleta de ex-combatentes, pessoas que haviam acostumado a matar e não sabiam fazer outra coisa. O apartamento de Neven, totalmente caótico e repleto de lixo espalhado por todos os lugares é a perfeita definição visual de Saravejo no pós-guerra.

A guerra teve início com a desintegração das repúblicas comunistas no pós-queda do muro de Berlim. Na Bósnia, o partido nacionalista sérvio organizou grupos paramilitares para expulsar os não sérvios e se unir à Sérvia. O governo bósnio tinha sido obrigado a entregar suas armas para o Exército Popular da Iuguslávia. Quando os sérvios começaram a atacar Saravejo, só quem podia defender a cidade eram grupos paramilitares, verdadeiras gangues lideradas por bandidos e até por um cantor pop.

Essas gangues defendiam a cidade, mas também tocavam o terror. Podiam entrar na casa de alguém e confiscá-la. Matavam cidadãos de descendência sérvia. Sequestravam civis para cavarem trincheiras, uma atividade extremamente perigosa num local repleto de franco-atiradores. Chegou num ponto em que o próprio governo Bósnio, que finalmente conseguira montar um exército, teve que dar um basta.

Joe Sacco não só conta a história, mas também faz o perfil de cada um dos líderes de guanges, que se tornaram verdadeiros astros pop. Entre eles o surpreendente caso de Jusuf Prazina Aka Juka, um bandido que fora atingido num tiroteio antes da guerra e andava com muletas. Mesmo com a dificuldade de movimento, era um dos mais cruéis e mais populares, conquistando a admiração de milhares de fãs e seguidores, que embarcavam com ele nessa jornada de sangue e atrocidades.

É essa guerra sem mocinhos que Joe Sacco narra em seu álbum.

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