segunda-feira, dezembro 07, 2020
Bradbury – o papa defuntos
O escritor Ray Bradbury, um dos mais aclamados autores de ficção científica, dizia que não havia como negar a influência dos quadrinhos em sua obra. Segundo ele, sem as tiras de Buck Rogers ele nunca teria desejado voar para o futuro com tamanha intensidade. Sem os dinossauros que apareceram nas tiras de Tarzan, de Hall Foster, ele jamais teria escrito The beast from 20.000 fathoms, que foi lido por John Huston, o que levou o diretor a contratar o escritor para fazer o roteiro de Moby Dick.
Mas a ligação de Bradbury com os quadrinhos não é só como leitor, mas também como autor, especialmente da EC comics, a editora que tornou o terror uma verdadeira febre nos EUA dos anos 1950.
A relação do autor com a editora começou de forma no mínimo bizarra. O roteirista Al Feldstein adaptara uma das histórias de Bradbury para os quadrinhos. O escritor, que lia as revistas da EC, escreveu uma carta reclamando. O dono da editora, William Ganes escreveu de volta com um cheque dizendo que eles tinham esquecido de enviar o valor refrente aos direitos autorais. O que começou como uma rusga virou amizade.
A partir daí, o escritor liberou vários outros textos para serem adaptados. Algumas dessas adaptações aparecem no álbum O papa defuntos, publicado pela editora LPM em 1990.
A edição reúne seis histórias, todas com roteiros de Al Feldstein e desenhos de gente do calibre de Jack Davis e Wally Wood.
De toda a edição, a história mais fraca é O ataúde, com desenhos de Davis. Nela, um inventor tem um irmão alcoolatra e folgado, que se acha vítima, embora viva do dinheiro do irmão. A história começa com o irmão mais velho inventando um ataúde, pois sente que vai morrer. E de fato morre, mas o irmão bebâdo mando enterrá-lo num cesto de vime para economizar dinheiro. Curioso, entra no ataúde para só então descobrir a horrível verdade. É uma trama convencional, de alguém mal que recebe o castigo merecido.
Já Tia Tildy é uma típica história bradburyana, com um toque poético macabro. Na trama, uma velha se recusa a morrer e chega ao ponto de ir à funerária pedir seu corpo de volta. A forma como isso é contado é poética e ao mesmo tempo mórbida, algo destacado pelo traço distorcido de Graham Ingels.
Marte, o paraíso é adaptação de uma das histórias mais célebres do livro Crônicas marcianas. Nela um grupo de astronautas pousa em marte e descobre que o local onde pousram é a exata réplica de uma pequena cidade norte-americana do início do século XX. É um dos finais mais antológicos e surpreendentes de todos os tempos.
Olhai os pássaros é um daqueles contos braburyanos em que o que é contado importa menos do que a forma aquilo é contado. Na história, um agricultor inventa uma maneira de voar, mas é executado pelo imperador. O ar de poesia e de metáfora é ainda mais destacado pelo desenho sensível e inovador de Bernard Krigstein.
O papa-defuntos, que dá nome ao título é a históira de um agente funerário que vira piada na cidade inteira, mas se vinga profanando os cadáveres das pessoas que caçoaram dele. É a história mais escatológica do álbum. Desenhada por Graham Ingels, uma escolha mais do que acertada.
Mas a melhor história do álbum é Dia das bruxas, com desenhos de Jack Kamen. É uma trama no melhor estilo do terror psicológico sobre um homem que resolve matar a própria filha. É um conto perturbador sobre demência que vai aos poucos tomando conta do protagonista a começar pelo flash back no qual ele se lembra do outono no qual ele havia se lançado ao chão, diante da casa da avó e chorado sem nenhuma razão.
Depois acompanhamos seu casamento e o nascimento de sua filha, o crescimento da filha. Todos esses fatos, que poderiam ser momentos de felicidade, se transformam dentro de sua mente transtornada e paranóica.
O final, em que ele comete o crime no meio de uma brincadeira de halloween é arrebatador por misturar terror psicológico com pura escatologia.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário