domingo, fevereiro 28, 2021
Fundo do baú: Os Trapalhões
Mestres do terror 65 - Loira fantasma
O terror, o terror!
O terror é uma das emoções humanas mais básicas e fundamentais. Somos todos assombrados por algum tipo de fantasma. Talvez o medo seja a primeira emoção experimentada pelo ser humano, o medo de um mundo desconhecido que se encontra do lado de fora da barriga da mãe.
E o terror nos acompanha por toda a vida: ele está em filmes, seriados e quadrinhos, causando fascínio e repulsa.
Eu tive boa parte de minha carreira ligada ao terror. Quando comecei a escrever quadrinhos, esse era o único gênero – além do erótico – em que um brasileiro podia fazer quadrinhos. Meu grande parceiro na época era o compadre Bené Nascimento (Joe Bennett) e lembro que nos divertíamos muito imaginando as formas mais bizarras de matar ou dar um destino pior aos protagonistas. Também fazíamos piadas internas, em que cada um de nós era submetido a situações de terror. Em uma das HQs, um personagem com meu rosto sofria de medo de multidões e via seu corpo transformado em milhares de bocas em eterno falatório.
Como disse, era uma piada interna, mas hoje penso que, por trás do riso havia algo mais, como essa fosse uma forma de lidar com algo difícil. Quantas pessoas não riem diante de uma situação embaraçosa ou até mesmo perigosa? “Hahaha! Poxa vida! Esse carro quase leva o meu braço!”.
A verdade é que todos nós precisamos do terror por algum tipo de necessidade psicológica. Talvez o medo verdadeiro seja algo tão insuportável que precisamos de um treino para lidar com ele. É como as pessoas que se borram toda apenas em pensar em locais altos e são levadas por psicólogos para edifícios e incentivadas a enfrentarem seus medos de forma controlada.
Da mesma forma, você pega essa revista e exorciza seus fantasmas. Se a situação ficar realmente difícil, se a mão fria da morte parecer estar tocando sua fronte, basta fechar a revista e os demônios estarão ali, presos nas páginas fechadas, sob controle. Mas eles estarão lá acenando para você e, uma hora ou outra, você voltará a abrir as páginas e ler como o menino que morreu de medo na montanha russa, mas mesmo assim voltou para a fila.
Talvez a grande lição do terror é que nós podemos vencer nossos demônios.
A casa do terror é uma revista para aqueles que sabem que o medo pode ser um dos grandes segredos da vida, tão essencial quanto o amor e o oxigênio.
(editorial que escrevi para o primeiro número de A casa do terror)
Verossimilhança hiper-real na revista Cajueiro
Meu artigo Verossimilhança hiper-real nos quadrinhos de Alan Moore foi publicado na revista Cajueiro. No artigo, eu analiso uma estratégia, usada por Alan Moore, para fazer com que seus quadrinhos pareçam reais a ponto de alguns leitores acreditarem que aquilo que é narrado aconteceu mesmo. Alguns exemplos: os anexos de Watchmen e a série 1963, que emula perfeitamente as revistas da Marvel na década de 1960.
Para acessar os artigos, clique no link: https://seer.ufs.br/index.php/Cajueiro/article/view/13782
A escavação
A morte, a descoberta do passado e o futuro incerto. Esses
são os temas de Escavação, filme da Netflix dirigido por Simon Stone e
estrelado por Ralph Fiennes e Carey Mulligan.
O filme conta a história da maior descoberta arqueológica na
Inglaterra no século XX, um navio anglo saxão no qual foi enterrado um grande
chefe com seu tesouro. A descoberta revelou objetos da Escandinávia, Egito e
império bizantino, mudando a forma como os historiadores viam o século VI.
Essa sinopse pode dar a entender que se trata de uma obra de
interesse apenas histórico ou para pessoas que gostam de arqueologia. Mas a
forma como a história foi contada resultou num filme sensível e amplamente
interessante.
Um dos destaques é a caracterização dos personagens. A
história foca principalmente em uma viúva, que desconfia que sua fazenda
esconde tesouros arqueológicos e contrata um escavador. Contrariando todas as
previsões, inclusive de especialistas, eles fazem a descoberta. O escavador,
que deveria ser apenas um trabalhador braçal especializado se revela um homem
culto, o primeiro a perceber a importância da descoberta. A relação entre eles
vai muito além da patrão-empregado: até mesmo o filho da viúva se torna
extremamente apegado ao velho escavador.
Há dois fatos históricos que são explorados pelo filme como
metáfora: a viúva está morrendo e a Inglaterra está prestes a entrar em guerra
contra a Alemanha. A descoberta arqueológica torna-se assim um símbolo de como
a herança humana pode se tornar perene, indo muito além da morte ou das
intempéries, como as guerras. É sintomático que a descoberta seja de um navio
funerário. Ao financiar a descoberta, a viúva eterniza seu nome, transcendendo
a morte. O mesmo ocorre com o escavador, cuja autoria da descoberta foi
escondida pelos arqueólogos e só recentemente descoberta.
Tudo isso é contado de forma envolvente, com uma fotografia
belíssima e ótimas atuações. Destaque para um recurso que amplia as simbologias
do filme: constantemente as falas dos personagens são apresentadas em off,
muitas vezes quando imagens já mostram outros momentos. É como se as vozes dos
personagens estivessem se perpetuando no tempo, da mesma forma que as
descobertas arqueológicas.
Museu dos Beatles em Buenos Aires
No local também fica o Cavern Café e pequenos teatros batizados com nome de cada um dos integrantes da banda.. O Museu fica Centro Cultural Paseo La Plaza, na rua Corriente 1660 (mas a entrada é pela rua de baixo). O ingresso para ver o museu custa algo em torno de 40 reais. Clique aqui para conhecer o site do museu.
sábado, fevereiro 27, 2021
Corto Maltês – juventude
Escrevendo sátiras para a MAD
Quando fui convidado pelo Raphael Fernandes para a escrever uma sátira do BBB 9, o que seria minha estreia na MAD, confesso que tremi na base. A MAD tem um tipo muito característíco de humor. Anarquico, claro, mas que também obedece algumas regrinhas simples, que ajudam a cosia a ficar mais engraçada. Na época, fui para minha coleção e reli dezenas de sátiras tentando compreender o estilo. De lá para cá, já escrevi vários textos para a publicação. Não posso dizer que já sou um roteirista especialista em MAD, mas acho que posso compartilhar algumas das coisas que aprendi escrevendo e, principalmente lendo a MAD:
1) Geralmente as sátiras iniciam com um painel grande, de apresentação. Pode ser apenas um quadro grande, uma página inteira, ou uma página dupla, como foi a minha sátira do BBB. A função dessa página é mostrar quem são os personagens e contar rapidamente a história que está sendo satirizada, o que abre caminho para que mesmo quem não conheça a obra original possa dar algumas gargalhadas. Nesse painel é muito aconselhado fazer piadas visuais de fundo, como os BBBs dentro de uma bolha com uma placa: não dê comida aos animais.
2) Cada quadro deve conter uma piada. Como geralmente as sátiras ocupam poucas páginas, a maioria dos roteiristas não desperdiça quadro: todos precisam ter algo engraçado.
3) Diálogo bate-volta. Uma técnica muito usada pelos roteiristas é colocar um diálogo em três ou quatro momentos. Normalmente há uma piada no meio, mas o mais engraçado fica para o final. Eu usei esse recurso na minha sátira do filme Crepúsculo (que foi renomeada Prepúcio):
5) Non-sense. A graça do diálogo muitas vezes está em não fazer sentido, como na sátira de O Iluminado, escrita por Larry Siegel e desenhada por Angelo Torres (publicado no Brasil na MAD especial 3, Panini). Jeca Porrance está dirigindo na direção ao hotel quando o filho começa a falar com o dedo:
Jeca: Doenty, tô um pouco preocupado com esse garoto! Ele sempre teve essas conversas idiotas com o dedo indicador?
Doenty: Nem sempre! Só desde ontem, quando ele brigou com o mindinho!
Jeca: Ufa! Jà tava ficando preocupado!
A arte hiper-realista de Serge Marshennikov
Viva - a vida é uma festa
O ser humano é o único animal que tem consciência da própria
morte. A percepção da própria finitude fez com que ele procurasse formas de
sobreviver na memória de outras pessoas. Ter filhos, família, deixar uma obra
pela qual será lembrado são formas de continuar existindo após a morte, de
alcançar a imortalidade.
O esquecimento como uma forma de morte é o tema central de
Viva - a vida é uma festa, filme da Pixar dirigido por Lee Unkrich, de 2017.
A história se passa no México. O garoto Miguel sonha se
tornar um músico, mas vive em uma família em que todos odeiam a música. A
tararavó de Miguel, Amélia, foi abandonada pelo marido músico e a partir de
então, a música foi banida do seio familiar.
Durante o Dia de los muertos, a família coloca em um altar as
fotos de todos os seus ancestrais, incluindo a foto da taravó e seu marido, com
o rosto recortado. Ao acidentalmente, quebrar a moldura, Miguel descobre que o
marido de Amélia segurava o violão de Enersto De La Cruz, o que pode indicar
que ele é descendente do cantor mais famoso do México. Quando seu violão é
quebrado, ele resolve “emprestar” o violão do famoso tataravô como forma de
apresentar em um festival de música. É quando a magia acontece: ele é
transformado em um fantasma e começa sua jornada pelo mundo dos mortos. Seu
objetivo é encontrar Ernesto de la Cruz e conseguir sua benção para voltar ao
mundo dos vivos e, ao mesmo tempo, tornar-se um músico importante.
No caminho, encontra com um fantasma abandonado, cujo único
sonho é voltar para a terra para visitar sua filha, a única pessoa que ainda se
lembra dele. Na realidade do filme, quando alguém é totalmente esquecido, ela
desaparece inclusive do mundo dos mortos, sumindo para sempre.
Em sua jornada, Miguel irá descobrir um novo significado para
seu talento e se reconciliará com a família.
A cena em que Miguel canta para a vó é um dos momentos mais emocionantes. |
O resultado disso é um filme repleto de ação, mas também
repleto de significados, engraçado, mas emocionante. É um filme com roteiro
pefeito, em que tudo se encaixa e até as piadas de fundo acabam se mostrando
fundamentais para a história. E é um filme musical em que nada é forçado, todas
as músicas encaixam perfeitamente na narrativa. A música “Lembre de mim”, por
exemplo, praticamente resume a história e gera uma das cenas mais emocionantes
do filme, quando o garoto canta para a bisavó:
Lembre de mim
Hoje eu tenho que partir
Lembre de mim
Se esforce pra sorrir
Não importa a distância
Nunca vou te esquecer
Cantando a nossa música
O amor só vai crescer
Lembre de mim
Não sei quando vou voltar
Lembre de mim
Se um violão você escutar
Ele, com seu triste canto
Te acompanhará
E até que eu possa te abraçar
Lembre de mim