No final dos anos 1970, surgiu em Curitiba uma editora especializada em quadrinhos que tirou o foco do eixo Rio-São Paulo e conseguiu agregar alguns dos melhores artistas nacionais. Seu nome era Grafipar.
A Grafipar deu tão certo que vários desenhistas e roteiristas se mudaram para Curitiba, formando uma vila de quadrinistas, a única no Brasil de que se tem notícia. Entre eles: Bonini, Franco de Rosa (que depois viraria editor da Press, Nova Sampa, Escala e Mythos), Gustavo Machado, Watson, Ataíde Braz e Cláudio Seto, o samurai dos quadrinhos e grande mentor da turma da Grafipar.
Um dos atrativos eram os salários, bons para a época, muito maiores, por exemplo, que o salário de um jornalista. O time de roteiristas da casa tinha nomes como Carlos Chagas, Nelson Padrella, Ataíde Brás, Júlio Emílio Brás e até o poeta Paulo Leminski.
Uma grande surpresa para a maioria do público é saber que Paulo Leminski escreveu quadrinhos. Na época a sua esposa, Alice Ruiz, editava uma revista astrológica, Horóscopo de Rose para a Grafipar e Leminski acabou fazendo alguns trabalhos para a editora. Ele adorava o trabalho do desenhista Júlio Shimamoto e talvez tenha escrito algo para ele. De certo mesmo, o poeta só escreveu quatro histórias. Duas para Cláudio Seto e duas para Rodval Matias.
Vários desenhistas começaram suas carreiras na Grafipar. Dentre os talentos revelados pela editora, destacam Rodval Matias, Mozart Couto e Watson. Os dois primeiros tinham nítida influência de Frank Frazzetta, desenhista americano famoso por suas histórias de ficção fantástica.
Mozart Couto vinha de uma família conservadora do interior de Minas Gerais. Por isso, não desenhava erotismo, que era a principal fonte de renda da editora. Os outros desenhistas reclamavam, já que ele era único que fazia exclusivamente história de terror e fantasia. Posteriormente, quando a editora começou a entrar em decadência e os títulos se tornaram mais explícitos, ele começou a desenhar erotismo e não parou mais.
Era comum receberem visitas de fãs querendo conhecer Watson, o mais festejado desenhista da Grafipar. Como o seu traço era muito parecido com o do francês Moebius, eles achavam que ele era um homem alto e sofisticado. Ficavam decepcionados. Nordestino, Watson era baixinho, mirrado e vivia com frio. Passava os dias de inverno enfiado na cama, embrulhado no cobertor, vestindo uma toca de lã e desenhando numa mesinha de sala.
A Grafipar lançou uma quantidade e uma variedade enorme de títulos. Começou com uma revista chamada Eros, mas como outra editora tinha direito sobre o nome, a publicação mudou para Quadrinhos Eróticos. Com a mudança de nome, as vendas dispararam e o dono da Grafipar se empolgou.
Depois de Quadrinhos Eróticos vieram Fargo, sobre faroeste, Sertão e Pampas, com histórias que se passavam no sul do país, Perícia, sobre crimes, Neuros, de terror, e Próton. Esta última pretendia seguir a linha Heavy Metal, misturando fantasia com ficção científica Quase todas as histórias, incluindo as policiais e de terror, tinham toques de erotismo. Não era propriamente pornografia, mas erotismo.
Outra revista curiosa era a Super-gay, um descarado plágio do Capitão Gay, do humorista Jô Soares. Na revista, boa parte das personagens da DC e da Marvel ganhavam sua versão rosa-choque e tínhamos heróis como o Aquagay, o Thorvelhinho, o Húlia e o Flashhomo. As poucas mulheres que apareciam era... sapatões! O desenho era de Watson, que dava um verdadeiro show, botando no chinelo muitos desenhistas gringos. Mas Jô Soares, que sempre leu quadrinhos, descobriu a artimanha e reclamou à editora. O Super-gay foi vencido pelo Capitão Gay.
Outro grande momento da Grafipar foi a revista Fêmeas. Fêmeas apresentava histórias de aventura no melhor estilo Frank Frazzetta. Fêmeas eram as heroínas bárbaras, como Ulla, Maíra, Ssara e Hyania, que, entre uma aventura e outra transavam com vilões, heróis e qualquer um que aparecesse pela frente.
Um pouco antes da Grafipar completar cinco anos, a crise econômica acabou com a editora. As últimas revistas foram publicadas em 1983. Muitos desenhistas foram para São Paulo ou Rio de Janeiro. Os roteiristas foram trabalhar com publicidade ou jornalismo. Os ilustradores que ficaram tornaram-se chargistas de jornais ou pintores. Alguns, como Rogério Dias, tornaram-se artistas plásticos famosos e reconhecidos.
O sonho havia acabado, mas a semente plantada ainda dá frutos. Atualmente Curitiba é um foco de quadrinhos de ótima qualidade, com revistas sucesso de público e crítica, como O Gralha e Manticore.
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