sexta-feira, abril 23, 2021

Conservadores e progressistas

 



Há uma famosa charge do cartunista norte-americano Gary Larson, no qual dois homens das cavernas observam jovens passando com arco e flecha e comentam, inconformados: “Olhe só para isso! Bons tempos aqueles em que os homens carregavam um tacape e tinham o cérebro do tamanho de uma castanha”. A charge representa bem o embate entre conservadores e progressistas, que existe desde que o mundo é mundo.
Progressistas são aquelas pessoas, geralmente jovens, inconformadas com as maneira como as coisas são e que querem realizar mudanças, fazer coisas diferentes, de maneira diferente e, no rastro, mudar o mundo.
Exemplo disso são um grupo do século XIX, criado a partir das ideias do Conde Cláudio Henrique de Saint Simon (1760-1825), os samsionistas. Influenciados pelo iluminismo, eles sonhavam mudar o mundo através da ciência e da tecnologia. Essa doutrina ajudou a criar a crença na importância social da ciência e da técnica e influenciou poderosamente o desenvolvimento industrial. Até mesmo a construção do Canal de Suez se deve aos samsionistas.
O escritor francês Júlio Verne era praticamente um porta-voz do samsionismo. Em sua obra ele mostrava um mundo em que maravilhas eram possíveis graças à ciência, uma sociedade diferente e utópica, em que existiam aviões, submarinos e se podia dar a volta ao mundo em apenas 80 dias.
Capitão Nemo, o protagonista do mais famoso livro de Verne, 20 mil léguas submarinas, era um revolucionário que se exila no fundo do mar por não suportar a guerra e a opressão. Nemo sempre se coloca a favor dos oprimidos e chega a financinar os gregos em sua luta contra o domínio turco.
Aqui, uma explicação necessária. A luta da Grécia pela liberdade foi uma das causas que conquistaram os liberais do  século XIX. O poeta Lord Byron chegou a ir lutar a favor dos gregos. Delacroix, o mesmo que viria a pintar o quadro “A liberdade guiando o povo”,símbolo de todas as revoltas, fez um quadro denunciando o massacre de Chios, em que turcos dizimaram uma vila grega que nem mesmo havia se levantado contra eles, matando 20 mil pessoas. Uma das cenas mais chocantes é do bebê que tenta mamar no peito da mãe morta.
Outra inquietação social visível na obra de Verne é a abolição dos escravos. Em diversos livros, mas especialmente em “Um capitão de quinze anos”, ele mostra a escravidão como uma chaga que deveria ser eliminada da sociedade.
O fim da escravidão foi outra causa que colocou em lados opostos conservadores e progressistas. Figuras libertárias, como o jornalista e cartunista Ângelo Agostini, empreenderam uma luta árdua contra os escravocratas, que achavam que o fim da escravidão seria uma ameaça à sociedade e à família tradicional. Aliás, foi no seio dessas mesmas famílias tradicionais que surgiram jovens abolicionistas, muitos dos quais financiavam e davam suporte para a fuga dos escravos.
Outro exemplo: o visionário Steve Jobs, criador da Aple. Jobs mudou tudo, praticamente criando o mundo em que vivemos. Sua proposta de computador pessoal permitiu que milhões de pessoas no mundo inteiro tivessem acesso à era da informação. No final dos anos 1990 os celulares estavam se tornando cada vez menores. Alguns eram pouco maiores que uma caneta. Então Jobs bolou o I-phone, um celular repleto de recursos, inaugurando a era dos smartphones. Depois criou os tablets, que já vendem mais que os notebooks e permitem às pessoas acessarem informações a qualquer momento. “Aqui é o lugar dos malucos, rebeldes e desajustados. São as pessoas loucas o suficiente para pensar que podem mudar o mundo que realmente o fazem”, diz Jobs, na sua recente cinebiografia.
Jobs achava que mudanças tecnológicas estavam diretamente relacionadas a mudanças sociais. Influenciado pelos hippies e pela contracultura, ele acreditava que o acesso à tecnologia permitiria uma melhor participação política por parte da população, dando voz a grupos que normalmente não tinham voz.
O famoso comercial da Aple, exibido uma única vez, em 31 de dezembro de 1983, no super bowl, exemplifica esse aspecto político da tecnologia. Numa clara referência ao livro 1984, de George Orwell e os dois minutos de ódio, em que a população era doutrinada, vemos dezenas de pessoas sentadas passivamente. Todas vestem o mesmo uniforme e são todas iguais. À frente delas, em uma tela, uma figura autoritária, referência ao Big Brother do romance de Orwell, diz: “Hoje celebramos o primeiro glorioso aniversário da diretiva de purificação da informação. Nós criamos, pela primeira vez na história, um jardim de pura ideologia, onde cada trabalhador poderá florescer longe das pestes que causam pensamentos contraditórios. A unificação de pensamento é uma arma mais potente do que qualquer frota ou exército da terra. Somos um povo único, com um desejo único, uma resolução, uma causa! Nossos inimigos falarão até a morte e nós os enterraremos em suas próprias confusões”. No final, o narrador contropõe:  “Em 24 de janeiro de 1984 a Aple lançará o Macintosh. Então você verá por que 1984 não será como 1984”. Ou seja: para Jobs era a tecnologia de informação que evitaria que o mundo se tornasse um regime totalitário.  
Como Jobs imaginava, as tecnologias foram apropriadas pelas novas gerações como forma de mobilização política. Jovens utilizam computadores pessoais, tablets e smartphones para marcarem protestos, seja no mundo árabe ou no Brasil. Protestos com muitas vozes, em que a multidão de pessoas com cartazes diferentes, com reinvidicações diferentes, lembra o fluxo de um fluxo de uma rede social.
São o sonho de Jobs.
Juventude, progresso social e tecnológico sempre andaram de mãos dadas. E geralmente são eles que triunfam sobre os conservadores. Ainda bem, ou ainda viveríamos em cavernas e andaríamos por aí carregando clavas. 

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