sábado, maio 15, 2021

Monstro do Pântano – balé de enxofre



Quando assumiu o título do Monstro do Pântano, Alan Moore levou o terror a um novo patamar. O horror agora se tornara realmente apavorante, visceral, perturbador. A saga balé de enxofre (publicada em The Saga of The Swamp Thing 29, 30 e 31) foi um dos marcos dessa nova visão do horror.

A sequência inicial é um dos melhores exemplos dessa nova abordagem. Vemos a casa de Abigail Cable, em planos fechados, roupas jogadas no chão, fósforos semi-queimados, vidros de perfume quebrados no chão. O texto diz: “Ela arrancou e rasgou a roupa toda do corpo. Roupa suja, tinha lhe tocado a pele. Não adiantou tentar queimá-las. As mãos apenas gastaram os fósforos. Na verdade, ela já estava levemente ensandecida. Era o cheiro. Ela não conseguia se livrar do cheiro. No banho, gastou tudo que havia de sabonete, xampu, perfume, aditivo, espumante... e nada de o cheiro sair”.

A sequência inaugural mostra o tipo de terror visceral inaugurado por Alan Moore. 


Quando o banho não resolveu, ela foi até a cozinha, pegou a escova de arame usada para esfregar batatas e começou a esfregar no corpo, numa tentativa vã de tirar o cheiro de insetos queimados. Vinte minutos depois ela desmaiou. Mas mesmo assim, ainda sentia o cheiro... em seus sonhos.

E nos deparamos com uma página dupla, de Abby encolhida em posição fetal, o rosto ensandecido, insetos ao seu redor e metade de seu corpo ocupado por uma sombra que reflete esqueletos, numa arte impressionante repleta de hachuras de John Totlebene Stephen Bissette. Mais à frente descobrimos que o cheiro vem do fato dela ter transado com seu tio, que tomara o corpo de seu marido, o que torna a situação ainda mais doentia. Os créditos são colocados logo abaixo do título “Amor e morte” e são entremeados de insetos. Imagens de Abigail em tormento, envolta por insetos emoldura a maioria das páginas desse primeiro capítulo da trama.  

A página dupla é impressionante. 


Quando lhe perguntaram qual o segredo para escrever histórias de terror, Moore respondeu: veja o que lhe provoca medo e use isso nas histórias. É o que vemos aqui. Moore utiliza arquétipos universais de horror, a começar pelos insetos. Mas vai além e flerta com o terror psicológico ao abordar o abuso sexual – ao longo da série ele abordaria mais de uma vez relações abusivas com resultados igualmente surpreendentes.

Então a história sai do pesadelo e vai para um flash back que parece um sonho. Matt, o marido de Abigail, comprou uma bela casa e arranjou um emprego. Quando visitam o novo quarto do casal, o texto avisa: “Foi aqui que o sonho tremelicou. Aqui se escondia a coisa ruim, aqui um acre cheiro de carne fumegante, de insetos subitamente penetrou nas narinas”.

Mas quando visitam o novo emprego (Rio negro recorporações) que o terror se insinua mais forte, já desde a fachada, com espectros sombrios observando da janela. Quando a porta se abre e Abby conhece os colegas do marido por um instante ela consegue vê-los como realmente são, cadáveres de psicopatas.

Moore usa psicopatas na história. 


Essa é, provavelmente, a primeira vez que um psicopata foi mostrada num quadrinho da DC Comics – e talvez a primeira vez em todo o mercado americano. Assassinos em séries já existiam antes. O Cavaleiro da Lua, por exemplo, enfrentara um que matava com uma foice. Mas era sempre psicóticos, loucos, pessoas fora de si ou atormentadas por algum trauma. Pessoas más, que vestem uma máscara de normalidade, mas matam por prazer, são uma primazia de Moore.

Psicopatas voltam a aparecer na história quando Moore, usando a técnica do mosaico, mostra como pessoas más em todos os locais das redondezas de repente se revelam e vão na direção do local onde está se passando a trama.

Alan Moore mostrando que o verdadeiro, o grande terror, era o ser humano e sua maldade.

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