Talvez o que seja
mais surpreendente em cidade de gelo, filme de
Michael Lockshin disponibilizado no Brasil pela Netflix seja descobrir
que se trata de um filme russo.
Lockshin narra uma
história romântica no estilo A dama e o vagabundo no melhor estilo
hollywoodiano, inclusive em termos de produção (que é verdadeiramente
grandiosa). Mas, no meio do conto de fadas, introduz pontadas de crítica social
difíceis de serem imaginadas numa produção norte-americana.
A trama gira em torno
de Matvey, um pobre patinador que é demitido de seu trabalho como entregador de
tortas ao se atrasar numa entrega em decorrência da passagem da carruagem de
uma dama da nobreza. Nesse meio tempo ele conhece Alex, o líder dos batedores
de carteira do comércio local e passa a integrar sua gangue. Alex tem um forte
discurso marxista: segundo ele, suas ricas vítimas são na verdade nobres e
burgueses, pessoas que passam a vida explorando outras – e portanto, a riqueza
que possuem não são de fato delas.
A trama se torna
romântica quando Matvey conhece Alice, a dama nobre cuja passagem lhe custou o
emprego... e os dois se apaixonam. Mas Alice está prometida por um nobre que
ocupa cargo de chefia na polícia. Além disso, a moça quer seguir a carreira
científica, algo totalmente reprovado por seu pai.
Segue-se uma agitada
trama em que os dois tentam ficar juntos mesmo tendo contra si todas as regras
da sociedade. Lembra a dama e o vagabundo, mas, pelo ritmo narrativo intenso,
lembra Metrópolis, de Fritz Lang.
Cidade do gelo é um
filme romântico, um conto de fadas, que funciona perfeitamente como tal. Mas
entrega muito mais do que isso. A sequência incial, com o pobre Matvey
patinando pela cidade e tentando entregar sua encomenda antes que a torta
esfrie reflete diretamente a precarização do trabalho provocada por aplicativos
de entregas (não por acaso, sua mochila é muito parecida com a usada por
aplicativos). Em outra cena, Alice diz que sua família construiu um palácio, o
rapaz pergunta quantos servos eles tinham, ao que ela responde, constrangida:
milhares.
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