Guerras Secretas foi o ponto de virada que fez com que a Marvel deixasse de ser a Casa das Ideias. |
Quando a Marvel surgiu, era apenas um quarto num prédio de
apartamentos em Nova York, com Stan Lee e uma secretária. Enquanto isso, a DC
era colosso, uma empresa de sucesso com vários funcionários. Mas a qualidade do
trabalho do trio Lee-Kirby-Ditko iria aos poucos fazer a Marvel vender cada
vez. A virada aconteceria na chamada Era de Bronze, na década de 1970.
Stan Lee era
roteirista e editor das revistas e quando Roy Thomas entrou na editora, no
final da década de 1960, a tradição continuou: o roteirista de um título também
era o editor do mesmo. E Stan Lee deu um conselho que seria seguido à risca por
Thomas: se um título estiver vendendo bem, não interfira, deixe o
roteirista/editor com liberdade para produzir suas histórias.
Isso transformou a Marvel numa verdadeira Casa das Ideias e
fez com que ela dominasse o mercado.
Enquanto a equipe criativa da DC era composta por um monte
de velhos que iam trabalhar de terno, na Marvel a equipe era composta por um
monte de hippies cabeludos que ajudaram a revolucionar os quadrinhos e, aos
poucos transformaram a Marvel na campeã de vendas.
Conceito revolucionário: Thanos era apaixonado pela Morte. |
Caras como Jim Starlin, Steve Englehart e Frank Brunner
andavam por Nova York fumando machonha, tomando LSD e criando histórias
revolucionárias.
Jim Starlin aproveitou o conceito de Eros e Thanatos de
Freud e criou Thanos, um personagem muito mais interessante que a versão
cinematográfica. Nos quadrinhos ele é apaixonado pela morte e quer matar metade
da população do universo como uma forma de tributo.
Englehart levou o Doutro Estranho a limites nunca
alcançados, com histórias que refletiam diretamente Alice no país das
Maravilhas.
O Doutor Estranho ganhou histórias lisérgicas, que brincavam com personagens de Alice no País das Maravilhas. |
Aí veio Jim Shooter e Guerras Secretas.
Guerras Secretas foi totalmente pensada pelo departamento de
marketing da Marvel até no título: Guerras e secretas eram as palavras que mais
chamavam a atenção nas pesquisas de mercado. Jim Shooter acreditava que
mudanças radicais nos personagens aumentariam as vendas – e o departamento de
marketing concordava (é famosa a proposta dele de transformar Tony Stark num
mendigo – só não foi em frente porque o roteirista não topou).
Se Guerras Secretas tivesse sido um fracasso, tudo
continuaria como era antes no quartel de Abrantes. Mas Guerras Secretas foi um
sucesso.
Então, pensaram os executivos, o segredo do sucesso era
fazer alterações radicais nos personagens e histórias guiadas por pesquisas de
mercado (que nem sempre eram feitas com fãs de quadrinhos).
Dessa forma, se as pesquisas mostravam que as pessoas
achavam interessante transformar o Capitão América em uma girafa, vamos
transformar o Capitão América numa girafa!
Isso também marcou uma mudança na estrutura da Marvel: os
roteiristas deixaram de ser editores e perderam controle criativo dos títulos.
Enquanto isso, na DC, os artistas estavam ganhando liberdade
total para trabalhar seus títulos. Frank Miller teve liberdade total em
Cavaleiro das Trevas e Batman ano um. John Byrne estava tendo liberdade total
para reformular o Super-homem. Alan Moore estava escrevendo Watchmen, Monstro
do Pântano. Surgiu o selo Vertigo.
Ou seja: embora a Marvel continuasse vendendo bem
(principalmente graças ao trabalho feito pelos artistas da Era de Bronze), era
a DC que tinha se transformado na Casa da Ideias.
Embora a Marvel tenha tido algumas boas iniciativas de
liberdade criativa (como Marvels), a semente plantada em Guerras Secretas
continua até hoje: as histórias são pensadas pelo departamento de marketing e
pelo impacto que elas provocariam no público, e não por criadores.
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