Quando foi lançada, em 1957,
a série com o repórter Ernie Pike revolucionou as histórias em quadrinhos de
guerra. Saiu o ufanismo e o maniqueísmo e entrou a profundidade psicológica. O
repórter Ernie Pike não contava histórias de heroísmo, mas histórias com
profundo teor humano.
A série, publicada na
revista Hora Cero, tinha roteiro do argentino Héctor Oesterheld e desenhos do
italiano Hugo Pratt, que à essa altura morava na capital portenha. Pratt fez o
repórter com as feições do roteirista-editor, mas a base para a criação do
personagem tinha sido o jornalista Ernest Taylor Pyle, também conhecido como
Ernie Pyle. Pyle se destacara com textos realistas sobre a guerra, fascinando
milhões de leitores norte-americanos com suas histórias.
O personagem era visualmente baseado no roteirista.
Como seu equivalente da
vida real, Ernie Pike narrava histórias pouco convencionais sobre a II Guerra
Mundial, muitas vezes irônicas, a exemplo do soldado inglês que fugira dos
comandos que tentavam salvá-lo achando que se tratavam de canibais. Outras eram
pueris, como da tenente do corpo auxiliar feminino do exército norte-americano
que sonhava com um rapaz alto, loiro, que tivesse uma pinta na bochecha direita
e fumasse cachimbo. Mas quando o encontra, descobre que ele é um oficial alemão.
Há aventuras impressionantes, em que a narrativa é estentida ao máximo do
suspense e da tensão, como em Comboio para malta, sobre um navio levando
suprimentos para o porto de Malta e que o faz sob pesado fogo inimigo.
Mas os grandes relatos, os
que realmente valem o luxuoso álbum publicado pela editora Figura, são os
dramas humanos. E desses, o melhor representante é Desencontro. O conto é
protagonizado por dois amigos ingleses, Crazy Holden e Tenente Long, cada um
deles comandando um tanque durante a guerra na África. Oesterheld e Pratt conseguem
fazer um conflito formado essencialmente por máquinas de combate resplandecer
de sentimentos humanos e muita ação até o final apoteótico e irônico, no qual o
único sobrevivente enlouquece, acreditando que foi traído pelo amigo.
A história que provocou atrito entre os criadores: um soldado alemão abandonando sua posição para salvar a boneca de uma menina.
Oeterheld humanizava não só
os integrantes dos exércitos aliados. Alemães e japoneses são mostrados como
pessoas normais, como defeitos e qualidades e muitas vezes gestos inesperados,
como do alemão que sai do posto para salvar a boneca de uma menina francesa. Essa
característica do roteiro foi inclusive motivo de discórdia entre Oesterheld e
Pratt. O desenhista acreditava que o roteirista humanizava demais os alemães
por ser descentes desse povo.
A enorme edição da Figura
reúne todas as histórias do personagem criadas pela dupla. É um volume de fôlego,
com 350 páginas que incluem não só as HQs, mas também as belíssimas capas
criadas por Pratt. A edição permite perceber também, que à certa altura do
italiano começou a perder interesse pela série, talvez pelas discordância sobre
o roteiro, o que fez com que seu desenho se tornasse menos caprichado. Mesmo assim,
o volume é obrigatório na estante de qualquer fã de quadrinhos.
Em tempo, a capa produzida
pela editora Figura, além de linda, é a perfeita representação da série, ao
mostrar soldados mortos e a foto de uma família em um capacete caído.
Sem comentários:
Enviar um comentário