A questão do sofrimento é
a espinha dorsal da doutrina budista. Na verdade, a própria transformação de
Sidarta Gautama em Buda inicia com uma jornada de sofrimento.
Gautama era um príncipe
que foi criado pelo pai longe de tudo que pudesse ser desagradável. Preso dentro
de um palácio em que tinha de tudo do bom e do melhor, um dia ele resolveu sair
e encontrou um homem doente. Quando descobriu que ele também um dia ficaria
doente, isso o deixou extremamente abalado. Em outra vez que saiu do palácio,
ele encontrou com um homem velho. Ele nunca havia visto pessoas velhas e quando
soube que também ele ficaria velho, isso o aterrorizou. Finalmente, numa
terceira vez, ele viu um enterro e descobriu que ele também um dia iria morrer.
Imaginem o horror da situação.
Para se livrar desse
sofrimento, Sidarta inicia uma jornada que o faria se elevar à condição de Buda.
Em sua iluminação, ele descobriu quatro nobres verdades: A verdade da
existência do sofrimento; a verdade da causa e da origem do sofrimento; a
verdade da cessação do do sofrimento; o caminho que conduz à extinção do
sofrimento.
Embora seja normalmente
traduzida como sofrimento, a palavra usada por Buda era “dukkha”. Dukkha era
uma roda de carro de boi mal-feita, em que o orifício está mal centrado, o que
faz com que ela se encaixe imperfeitamente no eixo, deixando a roda desalinhada.
A dukkha fazia com que o carro sacolejasse e a viagem fosse acidentada,
incômoda, um sofrimento.
Era uma metáfora: quando
nossa mente não está centrada, o resultado é sofrimento.
As escrituras budistas
dividem a dukkha em três categorias: dukkha do sofrimento comum; dukkha da
transformação; dukkha do condicionamento.
Dukkha do sofrimento comum
é o tipo mais óbvio de sofrimento: a doença, a velhice, a morte. Damos uma
topada na mesa e sentimos dor. Ficamos velhos e sentimos dor nas mais variadas
partes do corpo, adoecemos com mais facilidade. Esse tipo de dor é inevitável,
mas o budismo nos ensina a lidar com ele de forma a sofrermos menos.
Dukkha da transformação é
um tipo mais sutil e psicológico. O mundo está em constante transformação, em
eterna mudança, mas tememos isso e nos protegemos numa fortaleza pessoal.
Vivemos um momento de alegria e queremos que esse momento dure para sempre.
Vivemos um momento de glória e queremos que esse momento dure para sempre. Experimentamos
uma vitória e queremos jamais experimentar a derrota.
Mas é impossível agarrar
esses momentos. O mundo está em eterna transformação. Num momento estamos
felizes, no outro tristes. Num momento estamos no auge da vitória, no momento
seguinte experimentamos a queda e a derrota.
Quando o mundo à nossa
volta se transforma, isso provoca sofrimento porque nos negamos a aceitar essa
mudança.
O medo da transformação
pode provocar inclusive tragédias, como nos casos dos homens que matam suas
companheiras por ciúmes. Há um caso emblemático de um homem que era casado com
um mulher de sorriso lindo, que garantia elogios de todos. Com ciúmes, ele
pegou um martelo e quebrou todos os dentes dela. Ele tinha uma mulher linda,
com um sorriso perfeito e deveria se sentir feliz com isso, mas, com medo de
perdê-la, preferiu machucá-la e acabar com aquele sorriso. O medo da mudança
fez com que ele não conseguisse aproveitar a companhia de uma pessoa tão bela.
O budismo nos ensina a
viver o momento presente, sem nos atormentarmos com o futuro ou com o passado. O
presente é o que realmente importa. Ao focarmos no futuro, perdemos o momento
presente. Quantas vezes não olhamos para o passado e não percebermos o quanto tínhamos
sido felizes em determinada situação, mas não havíamos valorizado isso?
O Dukkha do
condicionamento é também chamado de sofrimento de fundo. É uma sensação de
ansiedade, nos que nos leva a criar uma fortaleza à nossa volta para nos
defender do fluxo da vida. "Renato Russo sintetizou isso nos versos: Tudo é dor e toda dor vem do desejo de não sentirmos dor".
Ao aprendermos a lidar com
as situações, mantemos centralizada a nossa mente, superando a dukkha.
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