As tecnologias sempre influenciaram o desenvolvimento da arte. A invenção da perspectiva revolucionou a pintura, criando todo um leque de possibilidades. Já no século XIX, a invenção da fotografia gerou uma crise artística que levaria ao surgimento de praticamente toda a arte moderna. E, atualmente, o desenvolvimento da tecnologia cibernética tem provocado uma revolução ainda maior. Nunca o mundo de imagens ao nosso redor mudou tão rapidamente, e nunca a forma como as imagens são produzidas sofreu transformações tão radicais. Isso afetou muitas áreas da arte. A arte interativa, em especial na sua forma mais avançada, a arte virtual, tem afetado não só a percepção do público sobre a arte, mas também dominado as teorias da imagem e da arte. Analisar essa realidade é o objetivo do livro Arte Virtual: da ilusão à imersão, de Oliver Grau (Unesp, 2007). Por si só, o tema já tornaria a obra interessante. Mas a abordagem escolhida pelo autor, ao mostrar que a arte virtual não surgiu com os computadores, fazem da obra não só uma análise de um momento atual, mas também um resgate de uma história perdida.
domingo, novembro 12, 2023
Arte virtual: da ilusão à imersão
Oliver Grau é professor de história da arte da Universidade de Humboldt, Berlim, e professor associado da Universidade da Arte de Linz, além de líder do projeto German Science Foundation, especializada em arte imersiva.
De acordo com o autor, as primeiras tentativas de colocar o observador em um espaço imagético imersivo, de ilusão, não vieram com a realidade virtual assistida pelo computador. Ao contrário, a realidade virtual é elemento essencial do relacionamento dos seres humanos com as imagens e remonta à antiguidade clássica.
Durante séculos os artistas procuraram criar o máximo de ilusão com os meios técnicos disponíveis, tentando integrar imagem e observador. O início de tudo está na grande tradição – principalmente europeia – de espaços imagéticos de ilusão, encontrada em propriedades privadas e templos em pequenas cidades e vilas através dos afrescos Nos afrescos, o observador era cercado de todos os lados, numa imagem que formava uma unidade tempo e espaço. Exemplo disso é o Grande Friso da Vila dos Mistérios (60 a.C). Esse templo dedicado a Dionísio apresentava uma imagem em 360 graus que rompia as barreiras entre o observador e o que estava sendo observado. Os espaços de ilusão também ganharam importância durante o barroco com os tetos das igrejas, que simulavam que o céu e o espaço que o devoto ocupava estivessem no mesmo lugar. E, finalmente, o panorama, que representou durante muito tempo a mais desenvolvida forma de ilusionismo imagético. Mais recentemente temos o cineorama, a televisão estereoscópica, o sensorama, o cinema e os quadrinhos 3D etc.
A mídia interativa mudou nossa percepção das imagens ao associar a exploração sensório-motora de um espaço imagético a uma visão panorâmica. Até mesmo as noções de tempo e espaço são alteradas: “Em um espaço virtual, os parâmetros de tempo e espaço podem ser modificados à vontade, permitindo que o espaço seja usado para modelar e fazer experimentos”. A arte virtual, ao misturar imagens do mundo natural com imagens artificiais cria uma realidade mista, na qual constantemente é impossível distinguir o original de seu simulacro.
Nesse contexto, a palavra-chave parece ser imersão. Segundo Grau, ela é caracterizada pela “diminuição da distância crítica do que é exibido e o crescente envolvimento emocional com o que está acontecendo”. Para isso, veda-se hermeticamente a percepção das impressões visuais externas utilizando recursos de luz indireta para que a imagem pareça real. Nesse mundo artificial, a imagem gerada preenche todo o campo de visão do observador, num espaço de 360 graus de ilusão. O expectador funde-se com a imagem, tendo toda a sua percepção capturada pelo espaço virtual, inclusive o tato, a audição e, em alguns casos, até mesmo o olfato. O objetivo é fornecer ao expectador a impressão de sentir-se no local onde a imagem ocorre. Softwares e hardwares permitem uma total imersão, com som estereofônico simulado, impressões táteis, sensações termorreceptivas e cinestéticas. O olhar não é mais estático, mas, teoricamente inclui um número infinito de perspectivas possíveis.
Oliver Grau não restringe sua análise às artes plásticas. O cinema, no livro, ganha destaque com experiências como Cineorama, em que dez filmes de 70 milimetros era projetados simultaneamente para formar uma imagem de 360 graus. Aliás, o cinema, quando surgiu, era, por si só, uma experiência imersiva: no seu início, o público ficava extasiado diante da nova experiência visual chegando a se assustar com o que ocorria na tela, como se o que estivesse sendo mostrado pudesse pular para fora da mesma.
O cineasta russo Sergei Eisenstein foi um dos que tentaram resgatar essa percepção mágica. Para isso ele imaginou o Stereokino, em que a imagem, tridimensional, jorraria da tela para o auditório. Sem deixar detalhes técnicos de como faria isso, o cineasta pretendia arrebatar o público para dentro do ambiente de seu filme.
Ao diluir a diferença entre real e simulacro, a arte virtual coloca em questão a distinção entre o autor e o observador, o status da obra de arte e até mesmo as funções das exposições. Assim, a discussão sobre a arte imersiva está no centro do mais importante debate sobre arte da atualidade, fazendo com que o livro de Oliver Grau seja fundamental para os que estejam interessados no assunto.
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