Lendo O menino que
morava no poste, do manauara Romahs, percebo uma semelhança com meu livro
Cabanagem.
Embora o livro de
Romahs seja de fantasia e o meu se aproxime do terror, os dois têm algo em
comum além do uso das lendas amazônicas, ou, como dizemos aqui, dos encantados.
Um autor paulista, por
exemplo, pode escrever uma história envolvendo Mapinguari, boto, Matintaperera.
Mas sempre será com um olhar de descrença, de estranhamento, de modo que esses
encantados serão vistos como seres exóticos, assim como a sua ambientação e
isso vai se refletir inclusive na reação dos personagens ao fantástico quando
ele surge na história.
Já os escritores
amazônidas, ao abordar os mesmos temas, será com um olhar de naturalidade de
quem convive com esse ambiente desde sempre. Um olhar, inclusive, que ecoa nos
personagens.
Eu costumo dizer que
não há quem já tenha entrado na mata amazônica que não acredite que ali há algo
mais. Não há quem tenha frequentado a floresta que nunca tenha visto ao menos
uma visagem.
Eu, durante muito
tempo, andei pela floresta do Utinga, em Belém, e lá vi muita coisa. Pessoas
que surgiam na floresta do nada e desapareciam atrás de uma árvore, sons
estranhos, passos que nos seguem e depois não aparece ninguém.
Certa vez, na ilha de
Marajó, fui seguido por um longo tempo por algo cujos passos nas folhagens
secas eu conseguia ouvir. Quando dei por mim, estava perdido. Aindei a esmo
pela floresta até ser encontrado por um casal que tinha ido buscar açaí. Quando
consegui finalmente voltar para a casa do meu sogro, ele foi taxativo: “Foi o
Curupira. Tu não devia ter entrado na floresta sem antes pedir permissão”. A
partir daí, sempre que entro na floresta, peço permissão. Certa vez, ao me ver
ali parado, um amigo perguntou o que eu estava fazendo. “Estou pedindo
permissão para entrar na floresta”, esclareci. “Pede para mim também”, pediu
ele.
Quando visitávamos o
Utinga e atravessávamos de um lado a outro do lago, montados em tronco de
madeira, algo enorme passou arrastando pela nossas pernas. Se fosse uma cobra,
teria no mínimo dez metros. Ficamos do outro lado um longo tempo criando
coragem para atravessarmos de volta.
Esse é o tipo de
história que pode parecer pitoresca para alguém do sudeste, mas essa pessoa
nunca irá perceber o quanto ela fala sobre alguém que vive no norte e que ou
viveu situações semelhantes ou ouviu, desde pequeno, relatos desse tipo.
Para um escritor
amazônida, os seres encantados vivem em uma fronteira entre o real e o
imaginário, uma fronteira quase sempre impossível de ser definida.
Há muito da minha
vivência em Cabanagem, das minhas idas à floresta ou das viagens ao longo dos
rios, sim, porque aqui a estrada é o rio. O rio é fonte de alimentos, via de
transporte e local de segredos e mistérios, afinal, as águas escuras dos rios
amazônicos parecem insondáveis e parecem poder abrigar toda uma variedade de
seres, de simples peixes a cobras grandes e mães d´água.
São mistérios que quem
não vive não Amazônia dificilmente irá compreender.
Como diz a música de Joãozinho
Gomes e Val Milhomem, “Quem nunca viu o Amazonas/
Jamais irá compreender
a crença de um povo/Sua ciência caseira/A reza das benzedeiras/
O dom milagroso”.
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