quinta-feira, maio 30, 2024

O jornalismo e as fontes

 



 Há uma regrinha básica do jornalismo que nem sempre é dita nos cursos de graduação: as fontes não devem ver o texto final e muito menos opinar sobre esse texto.

Imaginem, por exemplo, que a matéria é uma denúncia. O jornalista vai repassar o texto para o denunciador e o denunciante? Os dois vão querer fazer modificações no texto, retirar trechos, destacar trechos. Pode ser, por exemplo, que alguém deu uma declaração e depois se arrependeu dela. Ao ver o texto final e perceber que a parte denunciada se defendeu com argumentos sólidos, ela pode querer tirar a fala (para evitar problemas de processo, a maioria das entrevistas é arquivada para o caso de uma ação judicial). Outra situação: o denunciado pode querer pedir para retirar partes das falas do denunciante para atenuar a denúncia. 

Além disso, o jornalista sempre edita a fala do entrevistado. Ele tira trechos que não tenham relação com o tema da matéria, tira marcas de oralidade, redundâncias, digressões. Sem falar da questão do limitação do tamanho do texto. Na maioria das vezes o jornalista tem um espaço X a ser ocupado e, para isso, precisa resumir as falas dos personagens. Mas nem todo entrevistado entende isso.

A fonte, portanto, não é editor, não pode e não deve sugerir mudanças no texto. Jornalismo não é assessoria de imprensa.

Isso de mostrar o texto para a fonte pode virar um problemão até mesmo em matérias corriqueiras, que não têm nada de polêmicas. Aconteceu comigo uma vez.

Eu trabalhava num jornal de Paranaguá, cidade portuária do Paraná, e fui entrevistar o diretor da Santa Casa sobre algum assunto (talvez a abertura de uma nova ala no hospital, confesso que não lembro). No meio da entrevista ele citou todas as pessoas que ele achava que mereciam um agradecimento e deveriam aparecer na matéria. E exigiu ver o texto final. Como era um jornalista novato eu concordei não só em colocar os nomes na matéria, como em mandar o texto por fax.

Quando o editor viu aquilo, cortou a lista de agradecimentos. E com toda razão. Uma das características do jornalismo é interesse público. Aquela lista de agradecimentos só interessava ao diretor do hospital e seus amigos.

Então a matéria foi para as bancas sem a lista de agradecimentos.

O diretor comprou vários exemplares para distribuir para os amigos “citados na matéria”. Quando foi ler o texto, descobriu que a lista tinha sido cortada. Não pensou duas vezes: pegou sua arma e invadiu a redação para tirar satisfação. A sorte é que eu estava naquele momento na redação em Curitiba. 
Mas ficou a lição: a fonte só deve ler o texto final quando ele for publicado no jornal. 

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