segunda-feira, junho 10, 2024

Fredric, William e a Amazona – perseguição e censura aos quadrinhos

 


Dois homens fundamentais para a história dos quadrinhos foram William Moulton Marston e Fredric Wertham. O primeiro foi o criador da Mulher Maravilha e o responsável pela introdução do feminismo nos quadrinhos. O segundo foi o psicólogo responsável tanto pela perseguição aos quadrinhos como pela péssima imagem que essa mídia ganhou por muito tempo (qual criança das décadas de 50, 60, 70 e 80 não foi em algum momento repreendida por ler gibis?).

É a história desses dois homens que  Jean-Marc Lainé e Thierry Olivier contam no volume Fredric, William e a Amazona – perseguição e censura aos quadrinhos recentemente lançado pela editora Pipoca e Nanquim.

Os autores usam a técnica da biografia paralela, em que as vidas de duas pessoas são contadas ao mesmo tempo, num narrativa que os compara.

A inspirada capa, exemplifica muito bem isso – e representa o único momento na história em que ambos se encontram: uma banca de revistas (que surge durante toda a história), tendo Wertham e Marston de cada lado, ambos folheando comics books e se observando pelo canto do olho, enquanto, acima da banca, vemos a bota da Mulher Maravilha.

Wertham acreditava que os gibis influenciavam a juventude a cometer crimes. 


É uma narrativa curiosa, poucas vezes vista nos quadrinhos. Não é contada como uma história linear, em que alguns fatos levam a outros que levam a outros que levam a outros. Ao contrário, o que temos são cenas isoladas de um e de outro personagem. Cabe ao leitor completar o que ocorre entre uma cena e outra (num exercício mais extenso daquilo que o leitor de quadrinhos já faz).

Essas cenas normalmente se cruzam em aspectos temáticos. Marston tenta inocentar um homem usando seu detector de mentiras (que não é aceito no tribunal), enquanto Wertham, ao trabalha como consultor psicológico, tenta entender as motivações do psicopata Albert Fish – um caso que o torna ainda mais resoluto em sua hipótese de que os crimes são cometidos não por uma índole genética, mas por influência do ambiente, algo que indiretamente o levaria a sua cruzada contra os quadrinhos. Momentos chaves da trajetória de um e de outro são mostrados, como a roteirista que iria escrever histórias da Mulher Maravilha recebendo um livro feminista ou a diretoria da DC tirando a personagem das mãos da família Marston e a entregando a um roteirista que levaria a personagem totalmente oposta do feminismo que a caracterizou.

O álbum conta os bastidores da criação da Mulher Maravilha.


Ao contrário do que se poderia esperar, Wertham não é mostrado como vilão (sua atuação junto à comunidade negra mostra que ele era bem intencionado), da mesma forma que Marston não é mostrado como herói. São dois homens complexos cujas várias facetas são visíveis no álbum. Wertham talvez tenha sido o mais complexo, pois, apesar de sua boas intensões, o resultado de sua atuação teve resultados desastrosos.

No final, parece que as 92 páginas do álbum foram pouco para dois personagens tão complexos. Pouco também para a história contada.

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