Em A queda de Murdock, o gancho é o fato de Karen Page vender a identidade do Demolidor. |
Para o profano o termo pode parecer engraçado, mas quem está acostumado a mexer com quadrinhos provavelmente conhece a palavra gancho O gancho é algo que puxa a história. Na citada A Queda de Matt Murdock, o gancho é o fato de Karen Page vender a identidade do Demolidor. É isso que vai dar origem à trama.
Nesses mais de 100 anos de quadrinhos, o gancho assumiu muitas formas. Nas tiras de aventura, por exemplo, o último quadrinho era sempre uma situação de suspense que proporcionava o gancho para a tira seguinte. Por exemplo, no começo de uma nova aventura, Flash Gordon chega a uma floresta. Os primeiros quadrinhos são usados para ambientar o leitor. Mas no último quadrinho irá aparecer uma criatura, que irá atacar Flash. Conseguirá o nosso heróis se livrar das terríveis garras do Monstro da Floresta Tempestuosa? Essa situação será o gancho que irá puxar a história seguinte.
Na tira de aventura o roteirista deve resolver o gancho e criar outro gancho. |
A vida de um roteirista de tiras de aventura não deve ser nada fácil. Em 3 quadrinhos (no máximo 5) ele deve fazer três coisas: 1 recapitular o gancho da tira anterior (Flash está sendo atacado pelo monstro da Floresta Tempestuosa); 2 solucionar o gancho (Flash pega sua arma e atira. O monstro cai no chão, entre convulsões); 3 criar um novo gancho (Enquanto isso, um grupo de caçadores observa os terráqueos. "Hum... o rei gostaria de ter esses especimes em seu zoológico", pensa o chefe dos caçadores).
O surgimento dos gibis deixou o gancho para o início e o fim das revistas. Como expliquei anteriormente, tudo que ocasiona uma história pode ser considerado um gancho. Mas com Stan Lee surgiram coisas do tipo: "Thor está preso sob os escombros e vai ser atacado pelo Monstro da Dimensão Soturna. Conseguirá ele alcançar o seu Mjorn?". E lá tínhamos motivo para mais uma revista...
Depois começaram a surgir ganchos mais refinados. A história parava no meio, em geral em plena ação, e acompanhávamos um acontecimento aparentemente sem importância, que acabava tendo grande importância mais à frente. Chris Claremont costumava fazer isso nos X-Men.
Neil Gaiman usou ganchos mais complexos em Sandman |
Outros autores são ainda mais refinados. Neil Gaiman é um deles. No primeiro número de Sadman vemos que o Senhor dos Sonhos ficou preso durante anos e que, enquanto isso, seus objetos de poder foram espalhados pelo mundo. Sabemos, então, que a primeira saga mostrará o Senhor dos Sonhos tentando recuperar seus objetos.
Esse tipo de gancho específico, além de ser um recurso muito interessante, é também uma delícia para o escritor. Ele serve para que tenhamos em mente os passos que vamos seguir e nos livrar de maiores preocupações, ao menos enquanto durar a saga.
Mas Gaiman trabalha com um outro tipo de gancho, esse mais complexo. São pequenos detalhes no meio da história que, depois, vão puxar outra história ou até uma saga. Assim, vemos no capítulo 4 de Sandman que o Mestre dos Sonhos encontra uma mulher no inferno e nos perguntamos quem é ela e em que situação os dois se conheceram. No mesmo número vemos Lúcifer sendo humilhado e prometendo vingança, o que vai dar origem à série Estação das Brumas. Esse tipo de gancho é complexo porque você deve ter uma boa noção do todo. Em entrevistas, Gaiman diz que planejou, desde o começo, toda a história de Sandman, do primeiro ao último número.
Quando um gancho não é resolvido, costuma-se dizer que o escritor deixou uma ponta solta. Pontas soltas são características de maus escritores.
Um último comentário sobre os ganchos é que eles são fundamentais nas histórias policiais. Eles são as pistas deixadas ao leitor. Um bom escritor implanta uma dezena de pistas na história, mas o faz tão disfarçadamente que o leitor, coitado, nem nota...
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