sábado, agosto 31, 2024

Confira o processo de produção da primeira história do Cabano

 



Cabano é um personagem  surgido no meu livro Cabanagem. Este ano, o herói ganhou sua versão em quadrinhos desenhado pelo grande Juliano Kaapora e publicado na revista Mestres do Terror (pedidos podem ser feitos pelo e-mail revistacalafrio@gmail.com). Na primeira história ele enfrenta a Cobra Grande. Em histórias futuras ele encontrará com diversos outros seres da floresta, entre eles o Curupira, a Matinta, o Mapinguari, entre outros. 

Confira abaixo como foi o processo de produção de uma página da HQ. 


O roteiro 

O roteiro descreve as cenas para o desenhista e apresenta os diálogos e textos. É o primeiro passo da produção de uma história em quadrinhos. Aqui pegamos o roteiro da página 4.  


Página 4

Q1 – O cabano fugindo, mas vemos ao fundo duas luzes, como se fossem dois faróis, mas são os olhos da cobra grande.

Texto: Seus pés tocam rápido a terra escavada há milênios enquanto o pesadelo vivo o persegue implacavelmente.

Texto: Embora não o veja, o cabano sabe que ele está ali, aproximando-se rapidamente.

Q2 – O cabano atirando. Minha ideia é mostrar ele de frente, como se o leitor estivesse na frente dele.

Texto: Ele se vira e atira.

Q3 – O cabano correndo pelos túneis.

Texto: Ele sabe que o tiro não irá matar a criatura. Talvez ela nem mesmo possa ser morta. Talvez seja mais velha que o tempo. Mas talvez lhe dê alguns segundos preciosos.

Q4 – O cabano fugindo e, na frente dele uma luz, como se fosse uma saída do túnel para o ar livre.

Texto: Luz. Há uma saída. Ele apressa o passo, o ar queimando em seus pulmões, rezando para que ainda haja tempo.  Ele pode ouvir o arrastar demoníaco da serpente cada vez mais próximo.


O rafe 

O rafe é um esboço do desenho. Serve como guia para a produção da história. Nesse caso, o rafe foi enviado para mim e eu e o desenhista discutimos mudanças. 


A página finalizada 

Aqui temos a página já com arte-final. Observe que o rafe foi seguido, exceto no terceiro quadro. A ideia de fazer a cobra se enrolando no quadro e vermos o Cabano através dela deu mais dinamismo e grandiosidade para a cena. 

X-men – O inferno não pode esperar!

 



Na Marvel era comum vilões se transformarem em heróis. Se os leitores simpatizassem com eles e expressassem isso com cartas, Stan Lee prontamente fazia com que eles mudassem de lado. Isso aconteceu com a Viúva Negra e o Gavião Arqueiro. Mas heróis que se transformavam em vilões era algo muito raro. Na década de 1970 Jim Starlin fez com que Warlock enfrentasse uma versão maligna de si mesmo do futuro. Mas não era mostrado o processo em que o herói se transformava em vilão.

Talvez por isso, por detalhar todo esse processo, a transformação da Fênix em vilã foi o um evento que marcou muito os fãs.

O momento em que a Rainha Negra aparece pela primeira vez é um dos mais marcantes da saga. 


A personagem vinha sendo tentada por supostas recordações de uma antepassada escravista nas edições anteriores. Mas foi em The Uncanny X-men 132 que a personagem de fato foi mostrada como vilã, a Rainha Negra. Foi esse número que sacudiu o universo Marvel e transformou definitivamente os mutantes nos personagens mais populares da casa.

A capa da edição já causava um grande impacto, ao mostrar os X-men derrotados pelo Clube do Inferno em um desenho no melhor estilo John Byrne.

A edição também marca o protagonismo de Wolverine. 


Na história, os X-men, que haviam sido atacados pelo Clube nas edições anteriores, resolvem invadir uma festa de forma anônima. Mas são reconhecidos e atacados pelos vilões. Mesmo assim, eles venceriam facilmente não fosse por um fator: em determinado momento Jean Grey, influenciada pelo Mestre Mental, une-se ao Clube, tornando-se a Rainha Negra, e ajuda a derrotar os amigos.

O momento em que ela, usando uma roupa fetichista (que destoa completamente da personalidade meiga de Jean Grey) derruba o amado Cíclope é um dos mais impressionante dos quadrinhos de heróis de todos os tempos.

A arte pop de David Barton

 


O artista David Barton é especialista em fazer releituras de obras clássicas da arte com personagens pop.


Coração de ferro

 


Há uma quantidade enorme de filmes sobre a II Guerra Mundial, com as mais diversas abordagens. Mas um tema pouco abordado são os tanques. Eles foram essenciais na guerra, mas na maioria das películas aparecem pilotados por nazistas, como em Resgate do Soldado Ryan.

Assim, Coração de Ferro, filme de David Ayer disponibilizado no Brasil pela Netflix se destaca por ter como protagonistas a tripulação de um tanque norte-americano apelidado de Fury.

A história acompanha o sargento linha dura Don "Wardaddy" Collier (Brad Pitt) e sua equipe realizando operações dentro da Alemanha Nazista na fase final da guerra, quando os aliados estavam encurralando as tropas alemães dentro de seu próprio território. É também um período em que os alemães resisitiram obstinadamente, recrutando até mesmo crianças (em uma das sequências, jovens que se recusaram a lutar são enforcados pelos nazistas e pendurados com placas de traidores).

À certa altura, o tanque é avariado e a equipe precisa, sozinha, impedir o avanço de todo um regimento da SS numa verdadeira missão suicida.

A película se destaca pela preocupação com os detalhes históricos, inclusive com uso de tanques que são, de fato remanescentes da II Guerra. Os atores também foram treinados em regime militar, passando noites acordados, molhados e com sono.

Além disso, é interessante o tom realista, com insinuações até mesmo de estupros por parte dos soldados e buylling por parte dos veteranos com o novato Norman "Machine" Ellison.

Mas talvez o que mais chame a atenção seja a atuação de Brad Pitt. Impressionante como ele evoluiu como ator desde seus primeiros trabalhos e aqui ele consegue um perfeito equilíbrio entre o linha-dura grosseirão e até mesmo abusivo e o líder que todos seguem.

O resultado disso é um filme de ação eletrizante que não fica nada a dever a clássicos do gênero.  

As aventuras perdidas do Capitão Gralha

 

Acompanhe as aventuras do primeiro super-herói brasileiro em histórias resgatadas recentemente por Gian Danton, Leonardo Melo, JJ Marreiro e Antonio Eder. São ... páginas com quadrinhos, textos sobre as histórias e a biografia do criador do personagem, Francisco Iwerten. 
Preço: 30 reais com frete. 
Pedidos: profivancarlo@gmail.com

200 perguntas sobre nazismo

 

200 perguntas sobre nazismo foi um livro que escrevi para a editora Escala lançado em banca no ano de 2009. Era um daqueles livros no estilo perguntas e respostas. O livro inteiro foi escrito no feriado do carnaval (na época eu escrevia muito rápido). A diagramação era interessante, com o uso de links, com informações sobre algo que era citado no texto (algo que seria usado profusamente pela Escala em outras publicações). Entretanto, era difícil identificar o título na capa e até meu crédito tinha que ser procurado pelo leitor no expediente. Posteriormente, a Escala lançou pelo menos duas revistas com conteúdo  retirado deste livro.

Quarteto Fantástico – No micromundo do Dr. Destino.


Em pouco tempo, o Quarteto Fantástico se tornou um sucesso absoluto junto ao público. Stan aproveitava isso para promover novos heróis da Marvel colocando-os em participações especiais no título. Esse foi o caso do Homem-Formiga no número 16.

Na história, o Doutor Destino, que todos acreditavam estar morto, na verdade, tinha se tornado o soberano do micromundo ao usurpar o poder do verdadeiro rei.

Todos os heróis tinham passado por uma situação de miniaturização. 


Fazendo um parêntese, o Dr. Destino deve ser o personagem de quadrinhos que mais vezes “morreu” e “renasceu”, o que mostra como Lee e Kirby ainda estavam testando e tentando entender como funcionavam as histórias. Fica óbvio que ele era para ser um vilão de uma história só, mas logo conquistou os leitores, o que fez com que ele retornasse diversas vezes.

Voltando à trama, o Tocha chega ao edifício Baxter e encontra os outros heróis miniaturizados e sendo puxados pelo duto de ar. Após serem salvos, eles voltam ao tamanho normal.

Isso é um trabalho para... o Homem-Formiga! 


Passado o perigo, eles começam a conversar e descobrem que cada um deles passou por uma situação em que ficou muito pequeno do nada, como quando a Mulher Invisível estava sendo entrevistada em um programa de televisão.

Para decifar esse enigma eles resolvem chamar o Homem-Formiga, e aí você percebe que toda a trama tinha sido bolada exatamente para introduzir esse novo herói no título.

Os heróis seriam transformados em escravos... se não fosse a intervenção do... Homem-Formiga! 


Ao tomar o líquido fornecido pelo amigo, eles reduzem de tamanho até chegar ao micromundo do Dr. Destino, onde são presos e serão vendidos a répteis alienígenas para serem usados como escravos (sabe-se lá como o vilão conhecera esses ETs_. A situação é demonstrada com uma imagem de Sue descabelada, servindo uma espécie de sopa para os ETs.

Claro que no final, tudo se resolve da maneira mais fácil possível e o Destino é derrotado... só para voltar no número seguinte.

Mano Juan, de Marcos Rey

 

Mano Juan é um lançamento da Global, editora que está publicando as obras completas de Marcos Rey. O livro, escrito na década de 1970 e lançado após a morte do autor, conta a história de um guerrilheiro ferido que chega a são Paulo e, sem ter a quem recorrer, procura um jornalista que escrevera diversos artigos sobre ele. Mas é a época da ditadura militar e o repórter teme se comprometer. Além disso, Dalila, uma atriz de pornochanchadas pela qual se apaixonara, lhe prometera para aquele dia uma noite de amor em troca da publicação de suas fotos no jornal. 
Marcos Rey é um dos grandes roteiristas de cinema do Brasil, tendo escrito diversas pornochanchadas e novelas (experiência que ele conta nos livros O roteirista profissional: televisão e cinema e Esta noite ou nunca. Esse olhar cinematográfico permeia a maior parte de sua obra, inclusive a juvenil, como O Mistério do Cinco Estrelas e O Rapto do Garoto de Ouro, mas é ainda mais visível em Mano Juan. O capítulo de abertura do livro é uma boa amostra desse tino visual: construído emtakes, mostra a chegada de um guerrilheiro a São Paulo e a balbúrdia da rodoviária num feriado prolongado:

"Como era sexta-feira da Paixão parte da população da cidade batia asas. São Paulo, parcialmente deserta, transformava-se numa amplo parque ideal ao adestramento de motoristas de carta nova. (...) O número de mulheres e crianças, superior ao de homens, contribuía para intensificar a irritante sonorização do ambiente, apenas dominada pela voz de uma locutora que anunciava a partida dos ônibus numa robotizada emissão vocal (...) O tumulto maior e mais angustiante concentrava-se nas escadas, a de degraus e a rolante, onde acontecia um massacre de proporções razoáveis. Inúmeros balcões e guichês de transportadoras informavam por escrito: 'Não há mais passagens' (...) Uma mulher grávida, segurando uma criança em cada mão, parecia ter perdido o marido e chorava, um grupo de cabeludos ameaçava destruir um dos balcões de passagens, um estrangeirão, loiro, tentava fazer-se entender".

A história toda parece ter sido escrita como um roteiro de cinema, inclusive com flash backs e e referências diretas a filmes em trechos como: "Batista diante daquela bem-rodada cena do cinema nacional, ficou cabreiro e começou a lançar olhares de pesquisa ao redor", "os seios, que só vira em filmes pornô, saltaram como molas, pagando na boca do caixa o trabalho das fotografias". 

Marcos Rey constrói a trama como um thriller de humor com personagens marcantes: o guerrilheiro saudoso da infância, o jornalista que o tempo todo divide o pensamento entre o medo de ser preso e a possibilidade de conseguir, finalmente, levar a atriz para a cama; a atriz de pornochanchadas que se deslumbra com a possibilidade de fama, mas se apaixona pelo guerrilheiro; o líder sindical que é respeitado pelos trabalhadores, mas em casa é tiranizado pela mulher... O autor apresenta uma verdadeira fauna de tipos que vão desfilando diante do leitor num verdadeiro plano sequência que vai das 19h10 da sexta às 4h05 da madrugada de sábado. 

O livro tem gosto da década de 1970 em que a tensão provocada pela ditadura militar se misturava à revolução sexual, à moda hippie de vestir e à profusão de gírias. Expressões como "cana brava", "manjo seu truque, malandro", "a velha teve outro balacobaco" ajudam a dar o clima do momento histórico.

Mano Juan foi escrito em 1978, mas permaneceu inédito até 2005. Em 2003, quando a Global negociou com a viúva Palma Donato a publicação de toda a obra de Rey, ficou acertado que, além dos títulos já publicados, a editora teria prioridade sobre esse inédito. Cumprindo o acordo, a viúva entregou à editora os originais datilografados. 

A Global fez um verdadeiro trabalho de fã, com uma edição belíssima, que segue o padrão das outras obras da coleção Marcos Rey, uma sugestiva capa Victor Burton, com imagens que simbolizam bem a trama, como uma loira, um revólver, uma garrafa de uísque e um botton de Che Guevara. Além disso, incluiu uma apresentação de Ignácio de Loyola Brandão, que acertadamente escreve: "Ele (Marcos Rey) foi um homem desprezado pela crítica, mas lentamente começa a ser reavaliado, revisado e sua obra reciclada. Era um narrador sutil e fino, e a prova está em cada página deste livro que inclusive é permeado pela mais intensa ironia, pelo sarcasmo. Quem nunca leu Marcos Rey pode começar por este Mano Juan". Bom conselho. 

sexta-feira, agosto 30, 2024

Panthéon de Paris

 



O Panteão era originalmente uma igreja dedicada a Santa Genoveva. Quando eclodiu a Revolução Francesa, o prédio foi transformado em um ponto histórico, onde são enterrados os grandes nomes franceses. Voltaire e Rousseau estão enterrados lá, um de frente para o outro. Ali também está o túmulo do famoso escritor Victor Hugo.
A arquitetura neo-clássica, por si só já é digna de nota, mas o local tem muitos outros atrativos. O edifício é no formato de uma cruz grega e tem várias pinturas e estátuas, inclusive dois conjuntos frente a frente: um em homenagem a Rousseau, outro em homenagem a Voltaire.
O altar da igreja foi substituído por uma homenagem aos revolucionários. Danton é o primeiro da esquerda.

A nave principal é curiosa: o altar foi substituído por um monumento em homenagem à revolução francesa (é possível ver, entre as estátuas, Danton, saudando Marianne, a deusa da razão e da liberdade). Um pouco antes temos o Pêndulo de Foucault, a experiência realizada por Jean Bernard Léon Foucault para demonstrar a rotação da terra.
O panteão é uma verdadeira viagem pela história e ciência francesas.
O Pêndulo de Foucault provou que a terra se move.




Túmulo de Rousseau

Túmulo de Victor Hugo
Conjunto de estátuas em homenagem a Voltaire. 

Jornada nas estrelas - Volta ao amanhã

 


Havia uma regra não explícita em Jornada nas Estrelas segundo a qual o capitão Kirk deveria ter um interesse romântico a cada episódio.

Muitas vezes os roteiristas faziam verdadeiros malabarismos para conseguir isso.

O episódio De volta ao amanhã exemplifica bem isso.

Na história, a Enterprise é contactada por uma entidade que direciona Kirk, McCoy e Spock para um bunker nas profundezas de um planeta.

O planeta havia sido devastado por uma guerra e alguns cientistas se refugiaram no solo, abdicando de seus corpos físicos e transferindo suas consciências para esferas, onde permanem por centenas de anos.

A proposta da entidade é usar os corpos de Kirk, Spock e uma tripulante para serem ocupados pelos sobreviventes tempo o suficiente para que eles criem corpos artificiais. Em troca, ofereceriam novidades tecnologias inimagináveis aos humanos.

Acontece que uma das sobreviventes é a esposa da entidade que ocupa o corpo de Kirk, o que dá ensejo a diversas cenas românticas.

Volta ao amanhã é um daqueles episódios que exploram bem os potenciais da ficção científica, embora algumas questões fiquem mal resolvidas. Por exemplo: por que os seres não fizeram os corpos antes de transferirem suas consciências para as esferas?

Destaque aqui para a atuação de Leonard Nemoy, cuja atuação muda completamente ao ser incorporado por um dos seres. Um gigante da atuação cujo talento muitas vezes dispensava efeitos especiais. William Shatner também se destaca, especialmente na primeira vez que recebe a entidade.

Homem-Aranha encontra Kraven, o caçador

 


Kraven, o caçador tornou-se um vilões mais célebres do homem-aranha depois da história A ultima caçada de kraven, de JM De Matteis e Mike Zeck. Mas esse personagem surgiu muito antes. Mais especificamente em The amazing spiderman 15, de 1963.

Na trama, o Camaleão quase é pego pelo Aranha e decide que precisa contratar alguém para eliminá-lo. Se você não sabe quem é o Camaleão, está desculpado. Embora esse fosse um dos principais vilões do aracnídeo nas primeiras histórias, com o tempo ele praticamente desapareceu.

O Camaleão resolve contratar Kraven, que surge em Nova York como celebridade. 


O Camaleão, cujo poder estava relacionado ao disfarce, refletia: “Ele é perigoso demais para mim, e ninguém seria louco para atacá-lo para me ajudar!”. Nesse momento ele lembra de alguém seria louco o bastante: Kraven, o caçador.

Curiosamente, quando o personagem aparece pela primeira vez na história, ele é uma celebridade a ponto de JJ Jameson ter ido pessoalmente ao porto recebê-lo, levando Peter Parker para registrar o momento.

Ditko e Lee aproveitam essa chegada para mostrar as habilidades de Kraven: Jaulas que estavam sendo retiradas no navio desabam, liberando feras selvagens, como cobras e gorilas. Kraven os captura um a um, para delírio da galera. Um acontecimento muito conveniente para o roteirista, eu diria.

Um acidente permite a Kraven mostrar sua habilidades. Isso que chamo de roteirismo. 


Mas a grande fera que o caçador quer capturar é ninguém menos que o Homem-Aranha. Para isso ele coloca na mão e no pé direitos do herói algemas magnéticas, que não só tendem a se aproximar como ainda têm sininhos embutidos que tocam quando ele se mexe.

O herói está em apuros, pois não só as algemas tendem a imobilizá-lo, como ainda alertam o vilão sobre sua posição. Mas as sequências em que o herói está em desvantagem duram pouco. O aranha joga fluído de teia nas algemas anulando os sininhos e a partir daí domina a caçada.

É inevitável pensar no seguinte: como Kraven tivera tecnologia para desenvolver algemas magnéticas, mas não tivera a ideia de fazer algum mecanismo eletrônico de som, ao invés de depender de sininhos que poderiam ser silenciados com teia?

Kraven inventa algemas tecnológicas e coloca sininhos nelas. Sim, sininhos. 


Assim que o aracnídeo consegue prender o caçador em sua teia, aparece a polícia e prende não só ele, como o camaleão: “Eu não fiz nada! É o Kraven que vocês querem! Ele anda caçando seres humanos!”.

De novo fica a pergunta: por que a polícia leva Kraven preso, já que a única prova contra ele era o relato do aranha, que a essa altura já tinha se escondido para tirar fotos? E como o camaleão, que antes parecia um vilão frio, resolve confessar a trama, assim, sem mais nem menos?

Entretanto, a narrativa visual de Ditko e o texto de Lee eram tã divertidos que os leitores tendiam a ignorar essas inconsistências do roteiro.

Memórias das pornochanchadas

 


Marcos Rey é um dos escritores mais subestimados do Brasil. Por conta de sua atuação como roteirista de televisão e cinema (ele chegou a escrever para o Sítio do Picapau Amarelo na década de 1970 e para mais de 30 pornochanchadas), uma grande névoa de preconceito obscureceu sua obra. No entanto, ele é um dos mais líricos e interessantes escritores nacionais. Prova disso é o livro Esta noite ou nunca (Global Editora, 2009, 208 págs.).

Em Esta noite..., Rey faz uma espécie de exorcismo da fase mais controversa de sua carreira: a de roteirista de pornochanchadas. O personagem principal, cujo nome nunca conhecemos, é um escritor que cai em desgraça depois de participar de uma passeata pelo fim da ditadura militar. Ao ser preso, é encontrado com livros evidentemente comunistas, como O Vermelho e o NegroA safra vermelhaUm estudo em vermelho e até um livro de contos de Carlos Marques (Foi esse que escreveu O capital, explicou um dos soldados).

A partir daí, nenhum dos jornais com os quais ele colaborava o queria por perto. A solução foi começar a escrever romances de banca, os pockets, sob o pseudônimo de William Ken Taylor (escritores com nome em inglês vendem mais, ensina o editor). Quando até mesmo essa editora é fechada, a solução surge na forma de roteiros para pornochanchadas.

Esse é o início daquilo que os roteiristas de cinema chamam de segundo ato, a parte maior da obra, na qual surgem os conflitos a serem resolvidos pelo protagonista.

A explicação acima não é deslocada. O romance inteiro é construído como um roteiro de pornochanchada. Marcos Rey usa, o tempo todo, a linguagem de roteiro, que aprendera a ponto de escrever um manual sobre o assunto (O roteirista de cinema): "Aproximei-me; aquela cena não podia se desfazer em diálogo para não correr o perigo de saturação de imagem"; "Aí uma voz em off, duma pessoa não enquadrada pela câmera foi ouvida por nós"; "Era um flashback".

Metalinguístico, Marco Rey ensina como escrever uma pornochanchada e a exemplifica com a própria vida do personagem. Nesse tipo de história, há sempre uma mulher deslumbrante, que é perseguida por todos os homens da trama, mas geralmente faz-se de santa, negando aos homens o que eles mais querem. É justamente essa busca da satisfação sexual que criará a tensão da trama. Outros personagens básicos são o corno, geralmente o marido da musa, que não lhe dá valor antes do final do filme, e a bicha, um elemento de humor.

Esta noite... reúne todos esses elementos. O protagonista passa a maior parte das páginas tentando levar para a cama a atriz Eliana Brandão, verdadeira paixão nacional. Ela flerta, mas não cede, até porque tem um marido, de quem está momentaneamente separada. Há um gay, Carmem, que tenta ajudar o escritor, e outros interesses românticos, que acabam se concretizando ― um deles, com uma mulher rica, numa oficina de marcenaria, dá ao autor uma ideia para um roteiro.

Assim, o livro pode ser lido como manual, homenagem e até mesmo denúncia contra a situação vivida pelo cinema nacional à época. O livro é também exorcismo contra um fantasma que perseguiu o autor por anos. Em entrevista à revista Conhecimento Prático Literatura nº 25, a esposa do escritor, Palma, disse: "Depois do golpe de 1964, ele não tinha mais campo para escrever e partiu para a pornochanchada, porque dava muito dinheiro. Isso prejudicou a literatura dele. Os elitistas achavam que ele era um comerciante, um escritor comercial. Mas nós tínhamos contas a pagar". O autor chegou a declarar: "Pouco ou nada do que produzi naquele período eu assinaria agora. Quando esses filmes são reapresentados na televisão, não assisto. O autor não sou eu, mas o escriba dos anos de chumbo da ditadura".

Esta noite ou nunca mais é uma espécie de reconciliação com esse período controverso da carreira de Marcos Rey, e, ao mesmo tempo, um resgate do cinema popular que resistia, apesar da perseguição oficial e da concorrência estrangeira.

Aliás, essa é uma outra leitura que pode ser feita da obra: a denúncia sobre o quão danoso o período militar foi para a cultura brasileira.

Ao contrário da ditadura Vargas, essencialmente nacionalista, a ditadura militar sempre fez questão de pagar o apoio dado pelos EUA ao golpe de 1964 abrindo as portas de nossa cultura para a dominação estrangeira. Nos quadrinhos isso se refletiu numa repressão pesada às HQs nacionais ao mesmo tempo que os heróis Marvel entravam no Brasil ligados a uma poderosa empresa internacional de petróleo. Mesmo quadrinistas que não tinham qualquer conteúdo crítico à ditadura, como Cláudio Seto, introdutor da linguagem de mangás no Brasil, foram perseguidos. Na impossibilidade de prendê-lo, já que ele morava no interior, os soldados que foram à editora que publicava seus trabalhos levaram originais e colocaram numa cela.

A experiência de Marcos Rey parece ter sido ainda mais amarga. Perseguido porque um irmão havia sido nomeado para um cargo no governo de Jango, Rey mostra a forma arbitrária com que eram feitas as prisões e a falta de cultura dos soldados.

Há relatos reais, de pessoas que foram presas apenas porque tinham uma coleção de livros encadernados em couro vermelho. Isso se reflete no romance com humor. Ao ser preso pela segunda vez, o protagonista diz que a princípio não tivera muito receio porque já se livrara de alguns romances comunistas como "A moreninhaOuro sobre azul e Nossa vida com papai. Apenas me esquecera de queimar O moço loiro, provável biografia de Karl Marx, quando jovem".

O livro, portanto, é um relato único: a ditadura sob o olhar de um roteirista de pornochanchadas. Marcos Rey o faz com uma maestria quase equivalente à de O último mamífero do Martinelli, seu melhor livro, sobre um homem que foge da repressão se abrigando num edifício abandonado e começa a vivenciar as histórias das pessoas que passaram por ali através das pistas deixadas nos apartamentos. Como em O último mamífero...Esta noite... marca pela nostalgia que fica em nós após acompanhar um personagem tão carismático.

O filme da dupla Gian-bené nunca realizado

 

Story board do filme do Penumbra.


Em 1991 a TV Manchete realizou um concurso de curta-metragens. Os interessados enviavam o roteiro de um filme e os melhores ganhavam uma câmera para produzirem seus curtas.
Óbvio que quem criou o concurso não imaginou que alguém pudesse apresentar a proposta de um vídeo com super-herói, mas o Bené se empolgou assim mesmo.  Já tinha até mesmo a ideia de como seria: o nosso herói Penumbra salvando reféns dentro de um ônibus. Veio e me contou toda a ideia, do desenvolvimento da trama até o momento apoteótico em que o Penumbra entrava no ônibus quebrando a janela traseira e derrotava os malfeitores.
Eu tinha minhas objeções:
- Mas, Bené, onde é que vamos arranjar um ônibus para filmar isso?
- Compadre, é fácil. A gente vai nas empresas de ônibus. Uma delas vai acabar nos emprestando o ônibus em troca de aparecer como patrocinador.
Eu ainda continuava com dúvidas:
- Tem certeza de que algum dono de empresa vai nos deixar quebrar o ônibus para fazermos esse filme?
- Vai ser só a janela de trás.
- Ah tá... não, espera! Essas janelas são caríssimas!
Mesmo assim Bené conseguiu me convencer a escrever o roteiro. Aliás, ao invés de fazer o roteiro, pulamos direto para o story board! Passamos semanas nisso, discutindo a história, criando as sequências, eu bolando os diálogos.
Ganhamos o prêmio? Nada. Na verdade, nem mandamos. Nesse meio tempo o Bené já não estava tão certo de que um filme de super-heróis seria bem aceito pelos críticos de cinema que iriam julgar os roteiros... e ainda havia a dificuldade de achar um empresário bom samaritano disposto a nos dar um ônibus para destruir durante as filmagens...
No final, acabou ficando só o story board mesmo.
O curioso é que, lendo o roteiro, percebo a forma como contornamos o problema do ônibus. Substituímos ele por algo mais fácil de achar em Belém: uma catedral gótica!

Fundo do baú - Super mouse

 



Super mouse, criação do roteirista Izzy Klein, surgiu no início da década de 1940, no rastro do sucesso estrondoso dos super-heróis (e mais especificamente do Superman) e inicialmente era... uma mosca! O chefe do estúdio Terrytoons achou que o personagem não funcionaria como um inseto e o transformou num rato. 

Sua primeira aparição aconteceu em 1942 no curta-metragem para cinema “O rato do amanhã”. Nessa primeira aparição ele tinha uniforme azul e capa vermelha. Posteriormente, temendo ser processados pela DC Comics, o estúdio mudou o uniforme para amarelo com capa vermelha. Na época também eles descobriram que já existia um personagem com o mesmo nome e mudaram o título da animação para Mighty Mouse (no Brasil os tradutores usaram o nome original).

Super Mouse vive na cidade de Mouseville e usa o seu tempo salvando os habitantes roedores da cidade de perigos, geralmente ocasionados por gatos. Muitas vezes ele salva a ratinha Zizi, sua namorada. O principal inimigo dessa fase chamava-se Gato Gatuno. Durante a ação, ele entoava o bordão que o tornou famoso: “Super Mouse seu amigo, vai salvá-la do perigo”.

O desenho fez sucesso relativo nos cinemas, mas estourou na televisão a partir da década de 1950.

Ralph Bakshi revolucionou o personagem na década de 80.  

Na década de 1980, o animador Ralph Bakshi lançou uma versão modernizada do personagem na série Mighty Mouse: The New Adventures.

Essa versão era totalmente revolucionária, com cenários disformes e expressionistas, personagens e estranhos (um dos principais vilões era uma vaca!) e cenas de humor non-sense. Nessa versão um vilão podia cair no choro no meio do episódio.  

Bakshi colocava de pernas para o ar os padrões dos desenhos animados e brincava com todos os chavões dos desenhos animados de heróis.

Em dos episódios, por exemplo, o herói tenta salvar uma mendiga vendedora de flores atormentada por um milionário. A cada vez que tenta ajudá-la, ela se nega, dizendo que há pessoas muito mais necessitadas. Ao final, Super Mouse perde a paciência com todas as maldades provocadas pelo ricaço e coloca no colo e o corrige com tapas na bunda. O vilão cai no choro e é consolado pela mendiga. No final, o milionário e a mendiga se casam!