Desde a primeira história do Demolidor de Miller que li, ficou claro que aquela série era brilhante em termos de narrativa e de ação. Mas só fui pereber que Miller podia ser também um mestre no aprofundamento dos personagens quando li a história originalmente publicada em Daredevil 177 e que saiu aqui em Superaventuras Marvel 17.
Na trama, Matt Murdock perdeu seu radar
depois da explosão de uma bomba e procura seu mestre Stick para recuperar essa
habilidade.
O arco e flecha é uma metáfora para os conflitos internos do personagem.
A história começa com o personagem praticando
arco e flecha, totalmente exausto. “Nada disso faz sentido. Se ao menos você me
deixasse dormir... Stick, já faz três dias!”.
A tentativa de acertar um alvo é uma metáfora
e uma forma de dar ação a um conflito interno. Conforme a atividade se
desenvolve, Murdock começa a alucinar. Miller reconta a história do personagem,
mostrando desde o bullying sofrido por Murdock na infância até o acidente que o
tornou cego.
Matt Mudock sente-se atormentado pela promessa feita ao pai.
As partes mais interessantes, no entanto, são
as que mostram o pai. Miller reconstitui até a mesma imagem da história de
origem do personagem, mas agora, ao invés do menino sendo aconselhado pelo pai,
vemos o Demolidor, já adulto, e já com seu uniforme. O pai o acorrenta a livros
e o manda ir para o quarto estudar.
Vale lembrar que, lá naquela história de
origem, o pai de Matt o obrigou a prometer que ele não iria lutar, mas, ao
invés disso, deveria ser um estudioso e se tornar um médico ou um advogado.
Miller reconta a origem do personagem.
Em uma das sequências, eles estão em um
ringue. “Você me prometeu! Disse que não lutaria! Olha só... você já esteve em
mais lutas do que eu! Vai terminar como seu pai... um lutador velho e
decadente, com o nariz quebrado e o cérebro moído. Você mentiu para mim, filho.
No túmulo de sua mãe. Mentiu para mim!”.
Quando criou o Demolidor, Stan Lee usou sua
estratégia de introduzir um pé de barro como tornar o herói bidimensional.
Assim, apesar de ser um herói, o Demolidor também era cego. Miller foi além,
introduzindo camadas e subtextos que tornaram o personagem tridimensional.
O conflito com o pai e o sentimento de culpa.
Nessa história descobrimos que Matt Murdock
odeia o pai por tê-lo transformado em um escravo de livros, por tê-lo feito
prometer que ele jamais lutaria, o que fez com que o garoto se tornasse vítima
de bullying de todos os meninos da rua.
Mas, como bom católico, Matt Murdock se sente
culpado por esses sentimentos com relação ao pai. Mais ainda: ele se sente
culpado por usar seus poderes para lutar contra o crime, o que contraria o
juramento feio ao pai de que ele nunca lutaria.
Miller estava introduzindo ali toda a neurose
do personagem que seria posteriormente explorada com brilhantismo em A queda de
Matt Murdock, em que o herói chega aos limites da insanidade.
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