domingo, setembro 01, 2024

Demolidor – Demônios Internos

 

Desde a primeira história do Demolidor de Miller que li, ficou claro que aquela série era brilhante em termos de narrativa e de ação. Mas só fui pereber que Miller podia ser também um mestre no aprofundamento dos personagens quando li a história originalmente publicada em Daredevil 177 e que saiu aqui em Superaventuras Marvel 17.

Na trama, Matt Murdock perdeu seu radar depois da explosão de uma bomba e procura seu mestre Stick para recuperar essa habilidade.

O arco e flecha é uma metáfora para os conflitos internos do personagem. 


A história começa com o personagem praticando arco e flecha, totalmente exausto. “Nada disso faz sentido. Se ao menos você me deixasse dormir... Stick, já faz três dias!”.

A tentativa de acertar um alvo é uma metáfora e uma forma de dar ação a um conflito interno. Conforme a atividade se desenvolve, Murdock começa a alucinar. Miller reconta a história do personagem, mostrando desde o bullying sofrido por Murdock na infância até o acidente que o tornou cego.

Matt Mudock sente-se atormentado pela promessa feita ao pai. 


As partes mais interessantes, no entanto, são as que mostram o pai. Miller reconstitui até a mesma imagem da história de origem do personagem, mas agora, ao invés do menino sendo aconselhado pelo pai, vemos o Demolidor, já adulto, e já com seu uniforme. O pai o acorrenta a livros e o manda ir para o quarto estudar.

Vale lembrar que, lá naquela história de origem, o pai de Matt o obrigou a prometer que ele não iria lutar, mas, ao invés disso, deveria ser um estudioso e se tornar um médico ou um advogado.

Miller reconta a origem do personagem. 


Em uma das sequências, eles estão em um ringue. “Você me prometeu! Disse que não lutaria! Olha só... você já esteve em mais lutas do que eu! Vai terminar como seu pai... um lutador velho e decadente, com o nariz quebrado e o cérebro moído. Você mentiu para mim, filho. No túmulo de sua mãe. Mentiu para mim!”.

Quando criou o Demolidor, Stan Lee usou sua estratégia de introduzir um pé de barro como tornar o herói bidimensional. Assim, apesar de ser um herói, o Demolidor também era cego. Miller foi além, introduzindo camadas e subtextos que tornaram o personagem tridimensional.

O conflito com o pai e o sentimento de culpa. 


Nessa história descobrimos que Matt Murdock odeia o pai por tê-lo transformado em um escravo de livros, por tê-lo feito prometer que ele jamais lutaria, o que fez com que o garoto se tornasse vítima de bullying de todos os meninos da rua.

Mas, como bom católico, Matt Murdock se sente culpado por esses sentimentos com relação ao pai. Mais ainda: ele se sente culpado por usar seus poderes para lutar contra o crime, o que contraria o juramento feio ao pai de que ele nunca lutaria.

Miller estava introduzindo ali toda a neurose do personagem que seria posteriormente explorada com brilhantismo em A queda de Matt Murdock, em que o herói chega aos limites da insanidade.

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