sexta-feira, fevereiro 28, 2025

Transformers e o uniforme preto do Aranha

 

O número 3 da revista do Transformers lançado pela editora RGE se tornou célebre por uma razão que tem pouco a ver com a qualidade da história: essa foi a primeira vez que apareceu o uniforme preto do Homem-aranha em terras tupiniquins. 

Não sei se foi apenas uma coincidência, ou realmente a RGE quis furar a Abril, mas a revista em questão foi publicada em janeiro de 1986, e Guerras Secretas, a série na qual o Aranha ganha seu novo uniforme, só começaria a ser publicado em agosto daquele ano. Talvez tenha sido um simples acaso, já que em nenhum momento da edição há qualquer destaque para essa mudança de uniforme. Provavelmente quem cuidava da edição nem mesmo sabia que essa era a primeira aparição do novo uniforme no Brasil. 

A primeira aparição do novo uniforme no Brasil não ganhou nenhum destaque ou explicação. 


Seja um caso ou outro, a revista chamou atenção nas bancas. Eu mesmo, que nunca tinha comprado um título dos robôs, aventurei-me a adquirir esse exemplar, que se perdeu em uma das muitas mudanças.

 Recentemente eu consegui um fac símile e pude finalmente ler o gibi.

 A história começa com o mecânico Bob Centelha sendo levado pelos malignus para o quartel general do grupo. Eles querem que ele crie uma fórmula capaz de transformar petróleo no combustível que eles usam. Claro que os robôs Optimus irão tentar salvá-lo e contarão com a ajuda do Homem-aranha, que aparece por ali como Peter Parker.

A teia é forte o suficiente para aguentar um transformer?

Os desenhos são de Frank Springer, que é competente, nada além disso. O verdadeiro problema está no roteiro de Jim Salicrup. Não há preocupação de caracterizar os personagens ou mesmo criar um clima para a história. E as situações na maioria das vezes são forçadas. 

Pelo jeito é muito fácil enganar os militares norte-americanos. 


À certa altura, por exemplo, os heróis precisam passar pelos militares, que sitiaram a fortaleza dos Malignus. O que o aranha faz? Pega o capacete de um dos soldados, entra em um dos carros dos optimus e diz: “Sargento! O tenente me deu ordens para voltar à frente de batalha!”, ao que o outro retruca: “Certo, prossiga”. Aparentemente o roteirista achou que o fato do personagem estar com uniforme de super-herói não iria interferir em nada – bastava colocar um capacete para conseguir enganar os militres. Para piorar, nenhum dos carros que passa pelo bloqueio tem qualquer característica de carro militar! Como sempre pode ficar pior, a história termina bruscamente, sem um final de fato.

Relendo, percebo que a única razão para esse gibi ter chamado atenção foi mesmo a capa com o novo uniforme do Aranha.

Liga da Justiça: um mundo melhor

 


Um mundo melhor é um episódio da segunda temporada do desenho da Liga da Justiça. Esse desenho se destaca pelos excelentes roteiros, com muita ação, mas também uma excelente caracterização de personagens e até alguma reflexão.
O episódio em questão gira em torno de um fato básico para quem assistiu outros episódios: por que o Superman nunca consegue derrotar definitivamente Lex Luthor. Ele é inteligente e super-poderoso, mas tem um freio ético e legal que o impede de ir além de determinado ponto. Já Luthor não tem freio nenhum, é um homem totalmente amoral.
No episódio, que se passa em uma terra paralela Luthor chega à presidência e cria uma guerra com super-heróis, chegando a matar o Flash. A Liga (que nessa realidade se chama Lordes da Justiça) entra na casa Branca e Luthor está prestes a apertar o botão que aciona uma arma nuclear. Quando o Superman chega para impedi-lo, Luthor diz o que parece óbvio: que ele só adiaria um novo confronto. Pois o ciclo irá iniciar de novo: mais uma vez Luthor será preso, irá escapar, fazer um novo plano, etc. A única maneira de impedir isso seria matá-lo. E é justamente o que o Superman faz.
Três anos depois, o mundo se transformou em uma ditadura, sem crimes, mas sem liberdade de expressão.
A trama realmente começa quando eles descobrem a realidade da Liga e tentam implantar uma ditadura nesse novo mundo.
Segue-se um ótimo episódio, com muita ação, ótima caracterização de personagens e uma lição interessante: Não existe desculpa para romper os limites da legalidade ou da ética. Os resultados sempre serão negativos.
Numa referência história, dá para comparar com a ditadura militar. Quando os militares tomaram o poder, em 1964, eles deixaram de ser os heróis que foram na II Guerra Mundial para se transformarem em vilões. Vale lembrar a famosa frase de Jarbas Passarinho (Ministro da Educação do governo militar) quando da instalação do AI-5, que cassou direitos civis: "Às favas com a ética!".

Dupla criativa

 


 

No livro A história secreta da criatividade, Kevin Ashton defende que, ao contrário do que se imagina, as melhores duplas criativas são formadas por pessoas muito diferentes entre si.

E dificilmente eu conseguiria imaginar pessoas tão diferentes quando eu e Bené, uma diferença que, na época da dupla, se destacava até visualmente e em termos de vestimenta. Há uma matéria conosco no jornal O Liberal em que o compadre, musculoso, está usando uma camiseta tão apertada que parece prestes a estourar no seu peito e eu, magrelo, estou usando uma camisa que parece ter pertencido a alguém pelo menos vinte quilos maior que eu.
Bené sempre foi extrovertido, o tipo que se sente bem em qualquer cenário, sendo o centro das conversas e atenções. Eu, ao contrário, sempre fui introvertido e reservado, o tipo que numa festa provavelmente vai ser encontrado lendo algum livro do proprietário.
A diferença física entre nós era visível até mesmo nas fotos de jornais
Essas diferenças se revelavam até mesmo no processo criativo. Bené, como o seu ídolo Jack Kirby, era uma máquina de ideias. Ele simplesmente jorrava conceitos e tinha uma capacidade extraordinária de pensar narrativas visuais. Quando me contava suas ideias, ele não só narrava as mesmas, mas também a forma como elas seriam visualmente apresentadas, com ângulos e planos. Mas, em comunhão com essa fornalha de ideias, também havia uma indecisão crônica. A boa ideia de manhã era considerada uma péssima ideia de tarde.
Eu, ao contrário, levo um longo tempo elaborando a trama e até mesmo burilando o texto (para quem acha que escrevo muito, isso está muito mais relacionado à disciplina do que a uma velocidade real). Cada história que crio é um verdadeiro parto, um processo que pode durar meses ou até anos, como nos casos dos meus romances. Eu não sento para escrever antes de ter todo o texto na cabeça, já muito bem definido e às vezes chego a passar longo tempo pensando em uma única frase.
Além disso, enquanto Bené se preocupa essencialmente com a ação, eu estou mais preocupado com os personagens e seus sentimentos. Enquanto Bené está preocupado que a história seja empolgante, eu estou preocupado que a história faça sentido, que toda as peças se encaixem.
Essa junção de visões é que fazia a diferença em nossas HQs, de modo que um completava o outro.
O nosso método de trabalho era o Marvel way, de uma forma que devia ser muito semelhante ao que Stan Lee e Jack Kirby faziam. Nós discutíamos a história. Uma vez estabelecidos os conceitos principais, o Bené se sentava e fazia o rafe – eu ficava impressionado com a rapidez com que ele fazia isso. A narrativa visual simplesmente jorrava da caneta. Eu, ao contrário, ficava longo tempo olhando as páginas, burilando a narrativa, pensando no que podia fazer. Quando sentava, já tinha normalmente todo o texto na cabeça, ou pelo menos boa parte dele.
Todas as características do nosso processo criativo aparecem naquela história que tanto eu quanto o Bené consideramos a nossa melhor – Refrão de Bolero. A história tinha sido criada a partir da música dos Engenheiros do Hawaii em especial do trecho: “Um erro assim tão vulgar nos persegue a noite inteira e quando acaba a bebedeira ele consegue nos achar”, que aparece na última parte. Sim, nós criamos toda uma história a partir de uma citação que só faria sentido quando o leitor lesse a última página.



(Trecho do meu livro A árvore das ideias)

Lembranças de Carnaval

 



Todo mundo tem agradáveis lembranças dos carnavais passados: 

- Ah aquele carnaval de 1930, em Petrópolis... Se não fosse a artrite, eu saía de madrinha da bateria este ano... 

- Aí teve aquela loira que... não, a loira foi depois da morena... ou será que era ruiva? Nunca bebi tanto em minha vida... 

É, carnaval sempre traz boas lembranças para todos e eu não seria exceção. Foi durante um carnaval que fui assaltado pela primeira vez...

Era Quarta-feira de cinzas e eu, por alguma razão desconhecida, resolvi devolver um livro na biblioteca. Eu sei, eu sei. Bibliotecas não funcionam na Quarta-feira de cinzas, mas como eu poderia saber? 

Diante da porta fechada, só me restou voltar para a parada e esperar o ônibus. Foi quando aconteceu o assalto. 

Se eu tivesse sido avisado, teria me vestido adequadamente para a situação, mas os dois ladrões não tiveram essa preocupação. Acho que não eram pessoas muito educadas. 

Um deles segurava uma faca e tinha olhos tão vermelhos que eu poderia jurar ter ele mais sangue na cabeça que no corpo todo. Isso, em tese, o faria mais inteligente, mas estou cada vez mais convencido que as teorias não funcionam na prática. Tanto que ele só conseguia dizer: 

- Passa, passa logo! 

- Passa o quê? A carteira? 

- Não, o negócio... 

Ele decididamente não sabia o que queria. Depois de um longo diálogo surrealista, consegui advinhar que ele cobiçava meu relógio. Fiquei indignado! Logo no meu primeiro assalto e o ladrão se interessava apenas por um relógio mixuruca? Resolvi não colaborar. 

Enquanto isso, o outro cavalheiro, armado com um revólver, rendia um taxista. 

- Me dá o relógio! 

- Não dou! 

- Vai dar sim! 

- Não mesmo! 

- Vocês podem apressar isso aí? – gritou o outro, já dentro do taxi. 

O assaltante resolveu apelar. Apontou a faca para o meu pescoço e perguntou: 

- Você quer morrer? 

Enquanto eu pensava nessa questão filosófica, ele pegou o relógio e saiu correndo. 

Essa foi a primeira vez que fui assaltado. A segunda foi na véspera de natal. A terceira no ano novo... 

Tudo isso me levou a desenvolver um gosto especial por ficar em casa nos dias festivos... 

Zé, o carreteiro

 

Na minha família, quem não é professor, é carreteiro. Então o que mais tinha em casa era a revista O carreteiro. Eu adorava as histórias em quadrinhos que fechavam o volume, com o carreteiro Zé e seu ajudante Jesuíno. Considerando que a revista é publicada há mais de 40 anos, é uma das mais longevas HQs já publicadas no Brasil.
Criado pelo quadrinista italiano Michele Iacocca o personagem surgiu em 1970, tendo sido publicado por décadas na revista.
Evolução do personagem

No começo Zé se vestia de maneira esculhambada, bebia e fumava. Era chamado inclusive de Zé Sujinho, nome com o qual chegou a ter uma revista publicada pela editora Abril.

Com o tempo Zé largou o cigarro, deixou de aparecer nas histórias bebendo e passou a se vestir melhor. O traço, no entanto, continua simples, largado, mas muito expressivo.
Criador e criatura

Uma curiosidade é que Iacocca é tradutor de livros do Umberto Eco no Brasil, já tendo inclusive ganhado prêmios por suas traduções.
As histórias do Zé constantemente criticam situações da realidade atual. 

Tocha Humana original

 

 No início da década de 1990 o Tocha Humana original foi resgatado pelos roteiristas da Marvel e passou a fazer parte dos Vingadores da Costa Oeste. Isso reascendeu o interesse pelo personagem, o que levou a editora a lançar uma minissérie em quatro capítulos com o herói. Para escrever o roteiro foi chamado o veterano Roy Thomas e para desenhar, Rich Buckler, que na década de 1970 ficou famoso com o personagem Deathlock. 

Com uma equipe dessas era difícil fazer algo ruim. Mas fizeram.
Resgatar histórias de personagens clássicos funcionou muito bem na série A era de ouro, em que James Robinson revisita os principais personagens da era clássica da DC em uma bela homenagem.
Alan Moore fez um pastiche da Marvel na minissérie 1963, imitando até a cor reticulada e o papel vagabundo usados na década de 60.
Mas ambos traziam algo a mais, um novo olhar sobre esses personagens.
A história reconta a origem do Tocha Humana original. 


O Tocha Humana de Thomas apenas reconta os principais fatos da cronologia do herói. É como uma sinopse apressada, que não tem tempo de desenvolver nada. A história começa com alguma profundidade, mostrando o ponto de vista do androide que se tornaria o primeiro herói da Marvel. Mas logo essa abordagem mais introspectiva é abandonada e a história passa a ser dominada por diálogos infantis e fatos sumariados rapidamente.
No Brasil essa história foi lançada em 1993, número quatro da coleção Épicos Marvel e acabou se destacando mais pela capa prateada, uma novidade nos quadrinhos àquela época.

Fundo do baú - Mundo da Lua

 


Mundo da Lua foi um dos seriados nacionais de maior sucesso da década de 1990. Criado por Flávio de Souza, o programa teve 52 episódios exibidos originalmente entre 1991 e 1992 na TV Cultura.

A série tinha como protagonista o garoto Lucas Silva e Silva, cujo sonho era ser astronauta. O primeiro episódio mostrava o aniversário de dez anos do personagem e as sucessivas frustações com os presentes recebidos: meias, cuecas, sapatos, cintos. Além disso, o bolo foi deixado fora da geladeira e a cobertura derreteu e os salgados foram congelados.

Parece ser o pior aniversário de todos, até que ele ganha do avô um velho gravador e começa a narrar sua versão do aniversário, em que tudo dá certo.

Estabelecia-se aí a estrutura do programa, dividido entre os fatos reais e a imaginação de Lucas. Um recurso que ajudava a criar o clima de fantasia eram os efeitos simples, mas funcionais do gravador, com luzes acendendo e barulhos de ficção científica. Somava-se a isso a fala do personagem: “Alô, alô, planeta terra! Aqui fala Lucas Silva e Silva, falando diretamente do mundo da lua!”.

O seriado também se destacava por retratar a família de classe média da época, com o pai professor tendo dificuldade para pagar as contas, a empregada doméstica que não desgrudava do rádio e parecia falar com o locutor, como se ele a ouvisse e o avô com alma de criança.

O elenco tinha verdadeiras estrelas, como Antônio Fagundes, que interpretava o pai de Lucas, Gianfrancesco Guarnieri, como avô e melhor amigo do garoto. Flávio de Souza, criador do seriado, fazia participações ocasionais como o atrapalhado tio Dudu. Aliás, na vida real, Flávio era casado com Mira Haar, que interpretava a mãe de Lucas.

Perry Rhodan – A fuga de Thora

 


A mola mestra da série Perry Rhodan é o encontro com os arcônidas Crest e Thora na Lua e como isso mudou a história da humanidade.

Com a ajuda a tecnologia arcônida, Rhodan implementa a Terceira Potência, conquista a base de Vênus, viaja para Andrômeda e desvenda o segredo da vida eterna. O acordo com os arcônidas era que estes não voltassem para sua terra natal enquanto não fossem desvendadas as charadas do imortal. Com o fim da saga – e a opção do mesmo de dar essa dádiva apenas aos terranos, não existe mais nenhuma razão para que Thora e Crest não voltem para Arcon. Mas Rhodan acha que ainda não é o momento para que a localização da Terra seja desvendada, o que leva Thora a agir por conta própria, indo para vênus, onde pretende enviar um pedido de ajuda.

Mas em sua fuga, Thora acaba se apropriando de uma nave que não tem um código para entrar na base e é abatida pela mesma. E Perry Rhodan, que vai atrás dela, comete o mesmo erro. Ficão então os dois e seus companheiros perdidos no mundo primitivo à mercê de todos os seus perigos.

A capa original. 


Esse é o plot de A fuga de Thora, volume 22 da série. O livro é escrito por Clark Darlton, cuja prosa deliciosa sempre garante uma boa leitura e que nos brinda com sequências como: “Até mesmo as superfícies pantanosas, de brilho tão traiçoeiro, se apresentavam agora como a palheta furta-cor de um pintor divino que, invisível, zelava pela sua obra em constante modificação”. Um nível de prosa muito acima do que se poderia esperar de um livro de bolso.

Mas Darlton também tinha uma predileção para a comédia e para a crítica de costumes e mesmo numa trama tão fechada na aventura encontra margem para desenvolvê-las. À certa altura, por exemplo, os protagonistas se deparam com os grupos de sobreviventes do Bloco Oriental (que haviam tentado invadir Vênus num dos volumes anteriores). Um desses grupos é formado por pacifistas absolutos: “E agora estava empenhados em impingir esse pacifismo aos rebeldes; se preciso com o emprego de violência”. A sequência é nitidamente uma crítica ao discurso da guerra para acabar com as guerras, usado tanto na primeira quanto na segunda guerra mundiais.

A maldade humana

 

Uma das questões mais antigas da filosofia é: o homem é bom? Existe uma bondade natural ao homem ou ele é, essencialmente mal? Durante anos acreditei que o homem era bom. Atualmente acredito que o ser humano não é intrinsicamente mau, mas a humanidade se inclina na direção da maldade.
Para explicar, preciso remeter aos comportamentos coletivos e à estrutura do cérebro. De maneira simplificada, podemos dizer que o cérebro é dividido em três partes: o complexo reptiliano, nosso cérebro mais antigo, responsável pelos instintos mais básicos do ser-humano (sobrevivência, sexo, comida). Depois dele temos o complexo límbico, um cérebro mais recente, que governa as emoções e o instinto de manada, a necessidade de pertencer a um grupo. Finalmente, temos a parte mais avançada de nosso cérebro, o neocórtex, responsável pelo pensamento lógico e pela linguagem.
Segundo a psicologia de massas, o complexo límbico está associado ao comportamento de massa, enquanto o neocórtex governaria o comportamento do público.
A maioria das pessoas não acordaria e daria um tiro no vizinho enquanto ele lhe dá bom dia.  Esse é um comportamento que se espera de psicopata. Entretanto, em vários momentos da história da humanidade temos visto grupos de pessoas agindo com extrema violência, como se fosse possível transformar em psicopatas toda uma comunidade – do Estado Islâmico ao nazismo passando pelo massacre em Ruanda. Como explicar isso?
A resposta está justamente na necessidade, imposta pelo complexo límbico, de fazer parte de um grupo. Pessoas escolhem seus grupos e se entrincheiram neles. Sejam igrejas, torcidas de futebol ou ideologia política. Grupos que se organizam em torno de uma liderança. Pessoas precisam de alguém que lhes diga como pensar, como agir, como decidir o que é certo e o que é errado. Não é à toa que religiões que estimulam o livre pensar não fazem sucesso (ou com o tempo se modificam no sentido de se tornarem modelos prontos).
Apesar de crescerem, as pessoas continuam sendo crianças, que necessitam de alguém a quem seguir. Fazer parte de um grupo lhes traz conforto e segurança. O grupo dá poder ao indivíduo. Exemplo disso é garoto que é valentão quando está com sua gangue, mas absolutamente covarde quando está sozinho.
Por outro lado, quem não faz parte do grupo passa a ser visto com desconfiança, como um potencial inimigo. E, quem não faz parte de nenhum grupo, ou de grupos minoritários, parece ainda mais perigoso. Costuma-se dizer que as pessoas têm medo do diferente, mas na verdade, elas têm medo de quem não faz parte de seu grupo.  A perseguição a quem não faz parte do grupo explica tanto a caça às bruxas quanto o buyilling. As bruxas eram mulheres “estranhas”, que não se encaixavam na sociedade da época. Portanto, eram uma ameaça ao grupo. O mesmo ocorre com as vítimas de buyilling nas escolas. É muito raro que sejam atormentado por alguém individualmente, a violência vem sempre de grupos que, no fundo, o consideram um inimigo.
Pode-se imaginar que esse comportamento violento com o outro seja uma exceção, mas dois episódios mostram que essa violência pode contaminar qualquer grupo.
O primeiro deles ocorreu quando um professor de uma escola secundária norte-americana em 1967, em Palo Alto, Califórnia, resolveu fazer uma experiência com seus alunos para recriar a atmosfera da Alemanha nazista. Ele os envolveu numa comunidade que dava valor à coletividade, em desfavor do indivíduo. Havia um símbolo, saudações, disciplina e um slogan: “Poder, Disciplina e Superioridade” A experiência, no entanto, acabou saindo do controle. O grupo, que começou apenas em uma turma foi se alastrando pela escola e logo seus integrantes estavam atacando quem não aderia a ele. O caso deu origem a um famoso filme “A onda”.

Outro episódio foi o experimento da prisão de Stanford, levado a efeito em 1971 em que voluntários foram divididos em dois grupos – um de prisioneiros, outro de guardas. O que começou como uma experiência normal logo saiu do controle, com os guardas humilhando, torturando e violentando os presos. Como na época vivia-se o auge da guerra do Vietnã, a maioria dos voluntários pretendia ser prisioneiros, levando os pesquisadores a escolherem no cara e coroa quem seria quem. E muitos daqueles que eram contra a guerra se viram transformados em guardas violentos e abusadores. No final, o experimento que deveria durar duas semanas durou apenas seis dias. Sabe Deus o que aconteceria se tivessem ido em frente.
Outro experimento, levado a cabo pelo por Stanley Milgran mostrava o quanto as pessoas podem ser cruéis quando obedecem a uma autoridade. Voluntários eram colocados diante de uma máquina de choques. Do outro lado supostamente havia outro voluntário, que deveria responder a algumas perguntas. Para cada resposta errada, o aluno levava um choque, que ia aumentando de gradação. Mesmo acreditando que poderiam estar matando a pessoa do outro lado, mais de 60% das pessoas continuou acionando o aparelho porque era isso que lhe era ordenado pela autoridade presente (o pesquisador). Alguns o faziam de forma constrangida, mas faziam. Poucos se recusavam a continuar torturando a pessoa do outro lado. O mesmo pode ocorrer com qualquer pessoa se o grupo á qual pertence lhe der uma ordem semelhante. O medo de não fazer parte do grupo faz com que obedeçam a um líder carismático, mesmo que a ordem seja prender, torturar ou matar alguém.
É por isso que sistemas totalitários são tão sedutores. Fazer parte de um grupo dá uma sensação de conforto. Nesse sentido, George Orwell em seu livro “1984” estava errado. O autoritarismo não é algo que é imposto às pessoas, mas algo pela qual elas anseiam, na necessidade de fazerem parte de um grupo.
A diferença entre um pai de família pacato e um carrasco nazista ou um terrorista do Estado Islâmico é uma só: alguém que lhe diga que o grupo está em perigo, alguém que aponte um inimigo do grupo. A maioria das pessoas estará disposta a perseguir, torturar e até mesmo matar outras pessoas se o líder do grupo à qual pertence assim ordenar e se alternativa for ser excluído do grupo. Os fanáticos religiosos que lincharam a filósofa Hipátia em Alexandria são um exemplo disso. Incitados por seus líderes religiosos, aqueles cristãos acreditaram que alguém que pensava diferente deles deveria ser eliminado por constituir uma ameaça, por mais irracional que isso pudesse parecer – que tipo de ameaça uma mulher poderia exercer sobre uma religião que já estava instituída e oficializada?
Outro exemplo perfeito disso temos cotidianamente nas brigas de torcidas. A maioria daquelas pessoas são absolutamente normais em seu cotidiano, mas se tornam violentas quando estão em grupo e esse grupo se encontra com o inimigo. Talvez aquelas pessoas convivessem lado a lado sem se agredirem caso se encontrassem no metrô e uma não soubesse a que grupo a outra pertencia.
Até mesmo grupos de minorias muitas vezes se deixam dominar pelo ódio ao inimigo. Assim, muitas vezes o movimento feminista se torna um movimento contra os homens, o movimento LGBT se torna um movimento contra os heterossexuais e o movimento negro se torna um movimento contra os brancos.
Da mesma forma, grupos religiosos ou recreativos podem rapidamente explodir em pura violência se forem direcionados a isso – e quanto mais comprometida com o grupo, mais radical a pessoa será e maior a chance de entrar na escalada de violência.
Por outro lado, os livres-pensadores são o público, são indivíduos que colocam o pensamento crítico e a individualidade acima do grupo. Podem até ter suas convicções, sejam religiosas, ideológicas ou de qualquer outro tipo, mas para elas pertencer ao grupo jamais é o mais importante.
Livres-pensadores costuma sofrer com a desconfiança, quando não com ataques diretos dos grupos. “Afinal, você é esquerda ou direita?” “Você precisa escolher uma religião”, são exemplos da pressão que sofrem cotidianamente. Em casos extremos, isso descamba na violência e morte, como nos casos em que regimes autoritários se instalam. Livres-pensadores são sempre os primeiros a serem perseguidos.
Essa conclusão, claro, lembra muito a ideia do filósofo francês Jean-Jacques Rousseau, segundo o qual o homem é bom, mas a sociedade o corrompe. Essa frase pode ser reformulada: o homem não é necessariamente bom ou mal, mas a necessidade de fazer parte de um grupo na maioria das vezes o torna mau.
Talvez um dia o ser humano evolua e livres-pensadores sejam mais comuns que pessoas que fazem de tudo para serem aceitas por um grupo. Até lá estaremos sempre caminhando na direção do holocausto.

quinta-feira, fevereiro 27, 2025

Museu D´Orsay

 


Se o Louvre é o paraíso da arte antiga, barroca, romântica, o Museu D´Orsay é o ponto alto da arte moderna em Paris. Há muita coisa, por exemplo, dos impressionistas: Degás, Renoir, Monet.
Mas a grande atração é a sala dedicada a Van Gogh. Completamente ignorado em vida (ele só conseguia vender quadros para o próprio irmão), ele se tornou uma verdadeira sensação atualmente. Turistas correm para ver suas obras. Na mesma sala há quadros de Gaugan, com o qual o pintor holandês morou durante algum tempo.
Almoço na relva, o polêmico quadro de Manet. 

Há também vários quadros de arstitas realistas, como Millet e até mesmo o famoso e controverso Quadro A Origem do mundo, de Gustave Courbet (conhecimento pela maioria das pessoas por ter sido censurado pelo Facebook).
Falando em polêmica, nada causou mais polêmica na época do que os quadros de Manet, também presentes no Museu. Dois exemplos são Olímpia e Almoço na relva. Os conservadores da época acusaram o artista de indecência por colocar mulheres nuas em seus quadros. O nu era comum nas artes, mas era um nu idealizado, de deusas gregas. Manet colocou mulheres de verdade em suas obras e por isso provocou a ira dos consevadores. Olimpia se tornou tão famosa que ganhou releituras, como a de Gaugan, também presente no Museu.
O Museu também tem vários quadros de simbolistas e uma série de belíssimas estátuas.


Degas é mais conhecido pela pintura, mas também era escultor. 

Há várias versões do quadros Nifas, de Monet, cada uma pintada em uma condição de luz.


Os caçadores de crocodilos, de Ernest Barrias

Ernest Barrias 

Ernest Barrias 

Ernest Barrias 


A origem do mundo, de Coubert, causa polêmica até hoje. 

Monet, como outros impressionistas, se interessava pela forma como a luz interferia na cor. 


Pinturas de Monet com o tema mulher com sombrinha. 


Coubert colocou vários amigos no quadro O ateliê do artista. 


Susannah e os anciões, de Paul Cabet

Rom – o cavaleiro espacial

 


Bill Mantlo era um especialista em transformar brinquedos toscos em quadrinhos de sucesso. Fez isso com os Micronautas e fez isso com um brinquedo ainda mais tosco, ROM, o cavaleiro espacial. Consta que o filho pediu o brinquedo de presente e, quando viu o robô, Mantlo pensou que poderia dar uma boa HQ.

O resultado foi uma lenda dos quadrinhos, com 75 edições publicadas e participação em muitos especiais. Grande parte do apelo do título estava na mitologia criada ao redor do personagem, mitologia que já estava presente no primeiro número, publicado em 1979.

O boneco era realmente tosco. 


Esse primeiro número (com um desenho de Sal Buscema muito mais detalhista do que o normal), mostrava logo de cara o cavaleiro espacial chegando à Terra numa imagem empolgante e grandiosa, com rochas partidas à sua volta, fogo e efeitos visuais. Uma imagem que, embora reproduzisse o robô vendido pela empresa parker Brothers, não se parecia em nada com o esquelético e tosco bonequinho.

Logo em seguida, o personagem vai parar numa rodovia, onde quase é atropelado por um carro, que se desvia dele e vai cair no abismo, sendo salvo pelo herói. Ali estava uma personagem, Brandy Clark, que faria parte do panteão de personagens secundários da série.

A primeira imagem do personagem nos quadrinhos é uma bela cena de impacto. 


A sequência seguinte mostra Rom chegando numa cidadezinha, onde ele usa seu analisador para identificar os espectros e o neutralizador para enviá-los para o limbo. Mas para quem está assistindo, a cena representa apenas um alienígena invadindo a cidade e matando cidadãos. Essa percepção é simbolizada no filme em cartaz no cinema: “A criatura do espaço”.

Os espectros, claro, aproveitam a situação para chamar o exército dos Estados Unidos na tentativa de conter o cavaleiro espacial.

Para quem estava vendo, a cena mostrava um alienígenas matando humanos. 


É essa aspecto, de herói incompreendido, que fará com que a versão quadrinística de Rom faça tanto sucesso. Como um típico herói Marvel, ele parece mais uma ameaça que um herói.