quarta-feira, julho 23, 2025

O príncipe e o mendigo

 


Dois personagens muito parecidos, um muito poderoso e rico e outro muito humilde, trocam de lugar. Você já deve ter visto essa história em algum lugar. Adaptada para filmes, séries e até K-dramas, como O rei de porcelana, essa trama surgiu no livro O príncipe e o mendigo, escrito por Mark Twain e publicado em 1881.

A história acompanha Tom Canty, um garoto londrino nascido na extrema pobreza, obrigado e mendigar e atormentado pelo pai e pela avó paterna, que se divertem dando surras nele. Do outro lado, o Príncipe de Gales, Eduardo VI. A diferença entre os dois já é definida na frase de abertura do livro: “Na antiga cidade de Londres, num certo dia de outono no segundo quarto do século XVI, nasceu um menino para uma família pobre, de nome Canty, que não o desejava. No mesmo dia, nasceu outro menino inglês, para uma família rica, chamada Tudor, que o desejava”.

Apesar da origem humilde, Tom era fascinado pela realeza, o que o leva um dia a visitar a residência do Príncipe de Gales e, ao ser agredido pelo guarda, recebe o apoio do príncipe, que o leva para dentro e o alimenta. Por brincadeira, eles trocam de roupa e percebem que são muito parecidos. Ao sair para repreender o guarda que machucara o mendigo, o príncipe é confundido com este e expulso do palácio – o que dá origem à trama.

É curioso que essa história tenha se popularizado como uma celebração da nobreza, uma vez que, nitidamente, Twain é extremamente crítico a esse regime de governo. Boa parte do livro é dedicado a demonstrar como esse é um sistema que ineficiente.

Representação disso é o ritual matinal para vestir o príncipe de gales: “No início, a camisa foi apanhada pelo Primeiro Camarista, que a passou para o Primeiro Lorde dos Escudeiros, que a passou para o Segundo Cavaleiro do Quarto de Dormir, que o passou... “ e assim em diante. Uma atividade simples e cotidiana, como vestir o rei, era exercida por dezenas de pessoas. A razão disso é que, enquanto o rei aumentava seu poder, tirando o poder da pequena nobreza, era necessário dar algo em troca – e o que se dava era um emprego no palácio real com uma atividade puramente simbólica.

No meio de um sistema tão sem sentido, o mendigo Tom muitas vezes parece a pessoa mais racional. Quando é informado de que o rei morreu e tudo que será gasto com a sua coroação, o primeiro impulso do garoto é perguntar: “Não seria melhor pagarmos antes da dívida da coroa?”, mas silencia com medo de ser tido como louco.

Mark Twain traz diversas curiosidades absurdas da época, como a figura do garoto de surras, que apanhava no lugar do príncipe quando este se saía mal nas lições, ou nos hábitos violentos, como a pena de morte na fogueira para membros da igreja Batista.

Apesar do tom nitidamente crítico, Mark Twain constrói uma história fascinante em que ambos, tanto o mendigo quanto o príncipe, evoluem espiritualmente e aprendem com suas experiências. Na trama tudo se encaixa, em especial pequenos detalhes como o sinete real, que desaparece e a primeira refeição de Tom como príncipe, em que ele “rouba” nozes. Pequenos detalhes ques e tornam ganchos para o final.  

Essa habilidade do escritor criou uma fábula universal que passou a ser reproduzida nas mais diversas mídias e culturas, tornando-se a mais famosa narrativa sobre duplos.

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