Hoje em dia pode não parecer, mas o gênero espada e magia teve sua origem na junção, feita por Robert e Howard, das histórias de capa e espada e fantasia com as histórias de terror.
Essa herança do terror pode ser apenas percebida nas
histórias de Conan, mas aparece quase como elemento principal nas histórias de Bran
Mak Morn, como nos mostra a coletânea lançada pela pipoca e nanquim em 2021.
O volume, de 364 páginas, reúne todas as histórias de
Robert E. Howard com os pictos publicadas em revistas pulps, além de textos
inéditos ou inacabados, como uma peça de teatro e poemas.
Howard trocava cartas com Lovecraft e, em uma delas, admite que tinha um verdadeiro fascínio pelos pictos: “Para mim, ‘picto’ sempre vai se referir aos pequenos e escuros aborígenes da Britânia vindos do mediterrâneo”.
A primeira vez que eles aparecem em uma história publicada é no conto A raça perdida, impresso na revista Weird Tales, de janeiro de 1927. Na história, um bretão chamado Cororuc salva um urso do ataque de uma pantera. Pouco depois, é preso por pequenos homens que o levam para uma cidade debaixo da terra e o condenam à morte. Howard depois iria mudar sua versão a respeito dos pictos, mas reaproveitaria o conceito de homens vivendo no subterrâneo em Vermes da Terra.
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Lovecraft foi a grande influência para a criação do gênero espada e magia. |
A primeira aparição de Bran vai acontecer em Weird Tales de novembro de 1930. Na história, o rei dos pictos está se preparando para enfrentar os romanos, criando para eles uma armadilha, mas para o plano funcionar, precisa da ajuda dos nórdicos, mas estes pensam em passar para o lado dos romanos depois que seu rei foi morto em batalha. Só seguirão Bran se este conseguir um rei que eles respeitem e que os lidere em batalha. O feiticeiro Gonar, faz surgir das trevas o rei Kull e descobrimos que Bran Mak Mor é descendente do lanceiro Brule, melhor amigo do rei de Valúsia.
Além de dar uma linhagem mítica para Bran Mak Mor, Howard
também muda a origem dos pictos: agora eles eram habitantes de uma nação no oceano
ocidental aliada da Valúsia.
O conto se destaca pelas descrições vívidas da batalha, uma
especialidade do escritor e pelo ótimo final.
A forte influência de Lovecrat e das histórias de terror
vai se revelar principalmente na história Filhos da noite, publicada em Weird
Tales em maio de 1931. Na história, um grupo de estudiosos de civilizações
antigas conversa e manipula objetos antigos quando um deles é atingido e volta
ao passado, encarnando em um habitante da Inglaterra na Idade Média cujo grupo
foi atacado por um povo reptiliano que vivia sob a terra e que tinham sido
expulsos da superfície pelos pictos. Ao acordar e ver seus companheiros mortos,
ele passa a perseguir os pequenos guerreiros, exterminando-os.
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O livro conta com ilustrações de Gary Gianni. |
Na primeira parte, em que os estudiosos conversam, a influência
de Lovecraft é declarada. Um dos pesquisadores, ao listar livros importantes de
terror coloca O Chamado de Cthulhu, de Lovecraft como um dos três melhores de
todos os tempos. Detalhe: naquela época essa história não tinha sido publicada
na forma de livro. Na época Lovrecraft era um desconhecido que publicava apenas
em revistas Pulp, o que mostra a fascinação que Howard tinha pelo seu mentor. A
história também é repleta de referências a personagens ou detalhes da obra de
Lovecraft, incluindo o fato de que um dos personagens tinha lido o Necronomicon
na versão grega.
O problema de Os filhos da noite é que esse é também o
texto em que Howard incorpora não só os elementos de terror de Lovecraft, mas
também seu racismo. O personagem principal, o narrador diz que é um ariano: “Minha
linhagem é nobre, apesar de hoje estar degradada e caindo em decadência por
conta da contínua miscigenação com raças conquistadas”.
Baseando-se em teorias totalmente equivocadas, Lovecraft
acreditava que a miscigenação levava à degeneração das raças, o que para ele
era o grande terror (hoje sabe-se que a miscigenação é uma grande vantagem
evolutiva). O protagonista inclusive tenta matar um outro pesquisador, que ele
acredita ser descendente do povo reptiliano e sobre até mesmo para chineses e
mongóis, mostrados por ele com descentes dos vilões da história.
A quarta história, O homem das trevas, trata de um celta renegado
pela própria tribo que tenta sua redenção salvando uma moça sequestrada por
vikings. No caminho ele encontra uma estátua de um Bran Mak Mor e a leva no
barco, de modo que a estátua acaba protegendo-o.
O homem das trevas mostra Howard no seu melhor momento, com
vívidas descrições de batalha e momentos inspirados, como em: “Aqueles que se
deleitava ao lado da fogueira do lado de fora continuavam a cantar, ignorando
as silenciosas espirais da morte acercando-os”.
Mas o melhor conto da obra, em que Howard consegue unir com
perfeição terror e fantasia, é Vermes da Terra, publicado em Weird Tales de
novembro de 1932.
Na história, Bran Mak Morn, depois de ver um picto sendo
crucificado pelos romanos, decide buscar a ajuda do povo reptiliano para vencer
o inimigo. Para conseguir entrar em contato com esses seres deformados que
vivem nas entranhas da terra, ele procura uma feiticeira. “Não era velha, mas a
sabedoria maligna das eras habitava seus olhos. Suas parcas vestes eram
esfarrapadas e suas madeixas emaranhadas e despenteadas, o que lhe emprestava
um aspecto de selvageria condizente com aquele ambiente soturno”, descreve
Howard, num texto que evoca diretamente as histórias de terror.
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Vermes da Terra foi adaptada para os quadrinhos por Roy Thomas, Tim Conrad e Barry Windsor-Smith. |
A feiticeira, em troca de uma noite de amor, aceita ajudar
o rei dos pictos e lhe indica onde se encontra a esfera que os vermes da terra
idolatram e que será o objeto de barganha para que eles levem até Bran o comandante
dos romanos.
A história é repleta de referências ao universo de
Lovecraft, incluindo o pântano de Dagon, onde a feiticeira vive e até os deuses
sinistros de R´lyeh.
Além disso, ao invés de centrar a narrativa em batalhas,
Howard foca toda ela no horror da jornada de Bran, incluindo sua descida ao
submundo e a um lago habitado por um monstro. Era uma história de terror mascarada
de história de capa de espada (inclusive com um final que evoca diretamente o
gênero terror), tanto que Lovecraft celebrou: “Poucos leitores, um dia
esquecerão o poder atraente e hediondo dessa obra-prima macabra, Vermes da
Terra”. Lovecraft estava certo. Mesmo que todo resto fosse ruim, só esse conto
já valeria todo o volume.
Em tempo: Vermes da terra foi adaptado para os quadrinhos por
Roy Thomas, Tim Conrad e Barry Windsor-Smith. No Brasil essa história foi
publicada nos números 27 e 28 de A espada selvagem de Conan.
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