sexta-feira, fevereiro 22, 2008

CURUPIRA 3
A mata da região tinha uma característica que dificultava em muito as coisas para mim. O chão era, na maior parte, elameado. Nada de terra firme, na qual acabam se formando trilhas nos locais por onde as pessoas passam com mais freqüência. Em certo ponto, precisei atravessar uma baixinha que estava aparentemente seca. Quando dei o primeiro passo, afundei até quase a cintura. A lama era tão espessa que agarrava meu tênis, tirando-o do pé. Isso me atrasava, pois eu tinha de voltar para pegá-lo. Andar sem tênis, nem pensar.
Já em terra firme, pensei em seguir uma baixinha, mas eu sempre as encontrava pelo meio e, como ainda não começara a cheia, não sabia para que lado ficava o rio. Outro problema é que, em certas regiões mais estreitas da ilha, as baixinhas poderiam até varar de um lado a outro.
O jeito era gritar e andar. Fiz isso até que ficasse rouco e meus pés já não me agüentassem em pé. O pior de tudo é que o dia já ia terminando. A perspectiva de pssar a noite na floresta sozinho, enlameado, sem fogo, e apenas com um facão era assustadora demais para ser sequer cogitada. Eu não iria querer isso nem para o meu pior inimigo. A floresta de dia é uma espécie de paraíso silvestre, um local onde reencontramos nossa essência, um local em que entramos em contato com a natureza no seu estado mais puro... mas a floresta de noite é um inferno capaz de fazer Rousseau mudar de idéia e ansiar desesperadamente para o conforto de uma casa com todas as comodidades modernas. Há os insetos. Todos eles saem de noite para se alimentar do primeiro bobalhão com a pele descoberta que puderem encontrar. E existem insetos que nem merece esse nome, pois são enormes, verdadeiros monstros. Além deles, todos os animais carnívoros saem de noite para caçar. E havia também aquilo que não podia ser nomeado, as criaturas da noite, que não existem para a nossa realidade cartesiana, mas são perigosamente reais quando o manto negro cai sobre as árvores. E, quando se está na floresta, a noite cai de repente, sem qualquer aviso. Num momento é dia e no outro é a mais negra noite.
Estava já quase desistindo e me conformando com minha má sorte quando ouvi vozes. Vozes humanas. Comecei a gritar para chamar a atenção de quem quer que fosse, enquanto me aproximava da origem do som. Então percebi que as pessoas estavam do outro lado de uma baixinha. Uma, aliás, que nem merecia esse nome: era enorme.
Impossível de atravessar como eu fizera com a outra. Comecei a percorrer a beira até encontrar uma árvore caída que servia de ponte. Quase caí, mas cheguei do outro lado. Depois de muita procura, encontrei um casal de caboclos com filhinha. Contei para eles minha história.
- Nós estamos indo catar açaí. – informou o homem. Espere aqui, que depois a gente te leva pra casa.
Sentei numa árvore caída e esperei. Esperei. Esperei e esperei. O tempo passou e nada deles aparecerem. Uma idéia idiota, aterrorizante, passou por minha mente: e se não existissem nem o homem, nem a mulher, nem a criança? E se fosse tudo uma ilusão provocada pelo curupira?
O tempo passava e eu me sentia cada vez mais angustiado. O pensamento terrível aparecia de tempos em tempos, mas eu o afastava, como quem espanta um mosquito.
Finalmente, ouvi barulho de vozes. Os três apareceram, trazendo cachos de açaí. Enquanto me levavam para sua casa, eles me informaram que eu havia atravessado de um lado a outro da ilha. Também disseram que, pelo caminho que ia, acabaria chegando no mangue e, provavelmente, seria obrigado a passar a noite lá.
- O mangue é um lugar terrível para se andar. – comentou o homem.
Realmente, além do solo enlameado, essa região tem uma vegetação característica, composta de capim navalha (que corta a pele ao menor contato) e plantas espinhosas.
No final, voltamos para a casa do meu sogro da maneira mais rápida: de canoa. A maré estava cheia, o que nos permitiu atravessar por uma baixinha que ia de um lado a outro da ilha. Caso contrário, teríamos que contornar a ilha, o que levaria horas.
Quando contei o que me acontecera, meu sogro não só não duvidou de minha palavra, como ainda aconselhou:
- Não se entra na mata sem pedir permissão.

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