Era um mercador de olhos. Andava pelos sonhos, percorrendo as praias do inconsciente e barganhando olhos para que os cegos pudessem ver enquanto dormiam. A quem lhe cedesse a visão, ele poderia dar qualquer coisa...Um homem gordo trocou toda uma semana de visão por um vôo. Percorreu a cidade por cima dos prédio, sobrevoou as montanhas, divertiu-se como jamais havia se divertido em toda a sua vida. Uma moça loira trocou os olhos por um ombro em que pudesse chorar. Um garotinho ganhou uma dezena de doces, com os quais se empanturrou. Um velhinho chato, mas extremamente solitário, cheirou candidamente um flor e ofereceu-a à esposa, já morta.
Na verdade, ninguém se lembrava ao certo da permuta. Esqueciam as várias horas conversando com o mercador e barganhando o melhor preço, procurando um desejo mais secreto... Passavam um dia, uma semana, um mês, conforme o combinado, sonhando sem imagens e acordavam jurando que havia sido uma noite sem sonhos.
O que ninguém sabia, ou desconfiava, é que o mercador também era cego. Estavam tão envolvidos na dura tarefa de escolher um desejo não realizado que nem davam pela coisa. Nenhuma única vez o mercador se aproveitou de sua posição para conseguir um olho para si.
Minto. Uma única vez ele o fez. Surrupiou as retinas de um rapaz sardento e se escondeu à sombra de uma árvore que crescia como musgo no telhado de uma casa.Estava arfante, nervoso. Segurou as duas bolinhas entre as mãos e colocou-as uma a uma nos buracos dos olhos.
O mercador fechou momentaneamente as pálpebras e abriu-as novamente. Pela primeira vez ele pode observar o mundo. Era tudo lindo e maravilhoso!Viu doces meninas cantando canções ao luar. Viu riachos límpidos, prateados, correndo para cima, em direção a uma cachoeira...
Viu pássaros de quatro asas que oscilavam em seu vôo e faziam cuco.Achou que na terra dos sonhos tudo era beleza e perfeição.
O mercador andou até encontrar uma fonte. Permaneceu um bom tempo absorto, observando os raios solares brilhando nas pequenas ondas em círculo. Chegou mais perto e olhou para o fundo. Foi quando viu.
Apavorado, recuou, mas a curiosidade fez com que olhasse de novo. Era um monstro. Uma figura pavorosa, de olhos fundos, grandes marcas no rosto, cabelos espetados e um nariz enorme, deformado.O monstro era ele!
Pela primeira vez o mercador percebeu o quanto era feio e nojento. Sentiu-se mesquinho e ladrão. O que lhe dera o direito de roubar os olhos que dariam a visão a um cego? Sua atitude era desprezível!
Aterrorizado, ele correu sem destino, gritando com todo o ar de seus pulmões e arrancando os olhos de suas órbitas.Desde então voltou à rotina: recebia os recém-chegados e lhes oferecia o seu desejo mais íntimo em troca dos olhos. Depois, religiosamente, guardava-os e esperava o próximo cego, que se maravilharia, então, por uma noite ou mais...
Entretanto, quando acordavam, os cegos se lembravam de muito pouco. Geralmente tudo que ficava era a imagem de um homem extraordinariamente belo que lhes oferecia a chance de ver. A bondade daquele mercador ficava gravada para sempre em seus corações.
1 comentário:
Ivan, que lindo!!!
Fiquei até imaginando que sonho eu iris querer realizar em troca dos meus olhos...
Tenha uma tarde bem alegre (bom, isso se vc conseguir ficar bem alegre com essa pilha de trabalho que eu sei que tá te aguardando... rsrs)
Até mais!
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