O budismo e o epicurismo surgiram em períodos relativamente
próximos e há tempos tenho observado muitos pontos de contato entre essas duas
filosofias, o que pode significar que em algum momento houve alguma troca cultural
(Epicuro teria entrado em contato com o budismo? Posteriormente o budismo
teria assimilado algo do epicurismo?). Apresento aqui alguns pontos que
considero semelhantes entre eles, mas lembrando que não sou exatamente um
especialista no budismo (de modo que amigos que saibam mais sobre o assunto
podem complementar).
Uma das bases do epicurismo é a ideia de moderação. Devemos
ser moderados em tudo que fazemos, exercitando um auto-controle como forma de
conseguir a felicidade. Mesmo algo que dá prazer, como comer, deixa de ser
prazeroso se a pessoa se empanturra e passa mal (e, lembrando que, para
Epicuro, prazer era o oposto de dor, se algo traz sofrimento não é prazer
verdadeiro). Comer o suficiente, sorvendo os alimentos, é muito mais sábio que
comer como um doido, mal sentindo o gosto do alimento. O mesmo vale para todas
as outras instâncias da vida. Para Epicuro devemos ser moderados em tudo que
fazemos. Lembra muito o caminho do meio da filosofia budista. Antes de se
tornar Buda, Sidarta viveu primeiro uma vida de luxo e abundância, como
príncipe. Depois tornou-se um asceta (e dizem que nessa fase ele comia um grão
de arroz por dia). Quando se iluminou, percebeu que esses dois extremos eram
negativos. O certo é não comer até se empanturrar e nem passar fome. Lembra as
ideias de Epicuro, não?
Epicuro dizia que boa parte da nossa infelicidade é
provocada pelo medo da morte. As pessoas deixam de viver o momento por medo do
que acontecerá no futuro. E é um medo sem razão: se existir vida após a morte,
ainda estaremos vivos, então não há porque temer a morte. Se não existir vida
após a morte, então não estaremos lá para lamentar isso e, portanto, não fará
diferença. Lembra muito a ideia zen-budista de foco no presente. A ideia é que
não devemos nos preocupar com o que acontecerá no futuro, mas vivermos o
momento presente da melhor forma. O meditação zazen, inclusive, ajuda nisso: em
manter o foco no agora.
Epicuro dizia que tudo é formado de átomos, partículas
elementares das quais tudo é feito e que as diferentes formas são apenas
diferentes organizações desses átomos. Um cachorro é feito da mesma substância
primordial de uma pedra. A ciência moderna resumiu esse pensamento no princípio
de que somos feitos de poeira das estrelas. Lembra muito a ideia budista de
vazio, em que as coisas são na verdade feitas de outras coisas, não tendo uma
substância, uma essência. A essência de todas as coisas é a mudança. Assim, uma
mesa não é uma mesa, ela está mesa (mas antes foi uma árvore, se foi feita de
madeira).
Epicuro era um crítico das filosofias deterministas (como o
estoicismo) e acreditava que não existe destino, ou seja, o ser humano é dono
de seu próprio destino, sendo o único responsável por suas decisões. Lembra
muito as palavra do monge Genshô: “Se houvesse destino nossas decisões estariam
prejudicadas pois o que quer que fizéssemos o destino decidiria por nós, um
absurdo lógico, se assim fosse nenhum criminoso seria responsável e sim o
destino, nenhum ato bom teria mérito também”.