Um dos fenômenos mais
preocupantes da saúde pública atual são as alergias. Cada vez mais crianças se
tornam alérgicas a tudo, de animais domésticos a amendoim (nos EUA há escolas
em que é proibido entrar com amendoim, tamanha a quantidade de alunos alérgicos
a esse alimento).
Isso é provocado pela
super-proteção por parte dos pais. Se por um lado há milhares de crianças das
classes mais pobres que são criadas sem nenhuma assistência ou cuidado, no
outro oposto temos crianças cujos pais as protegem de tudo.
Antigamente as crianças
brincavam na rua, se sujavam, conviviam com cãs, gatos, galinhas, insetos,
andavam descalças. Hoje, os pais protegem as crianças de tudo: não pode andar
descalça, não pode ter contato com a terra, não pode tudo. O resultado: o
organismo não aprende a lidar com o mundo, tudo passa a ser considerado uma
ameaça, e como consequência o número cada vez maior de crianças alérgicas a
tudo.
Isso é ainda mais concreto
quando se trata de questões mais subjetivas. A mentalidade é de que as crianças
devem ser criadas numa bolha e protegidas de tudo. Não pode existir publicidade
infantil porque a criança que ver publicidade vai comprar descontroladamente,
vai comer descontroladamente.
Livros de Monteiro Lobato
devem ser proibidos na escolas porque as crianças negras precisam ser
protegidas do racismo do Sítio do Pica-pau Amarelo.
O projeto Escola sem partido é
um dos ápices dessa super-proteção. Crianças não podem na escola ter contato
com ideologias diversas das dois pais. Devem viver numa bolha idelógica em que
só se tem contato com aquilo que os pais acreditam, inclusive em termos
religiosos. A ideia de que a vida é feita de vários pontos de vista e que a
maturidade surge exatamente da percepção dessas diferenças e da análise crítica
das mesmas é inconcebível. O importante é proteger as crianças.
Quando o tema é sexo a bolha é
ainda mais encorpada.
Nas décadas de 1960 e 1970,
adolescentes e pré-adolescentes compravam em bancas os catecismos de Carlos
Zéfiro e era neles que descobriam o sexo. Se vivesse hoje em dia, Zéfiro seria
um escândalo. Jornaleiros seriam presos. Bolsonaro faria vídeos irados acusando
Zéfiro de pedofilia ou de estimular a sexualidade.
Na década de 1980 milhares de
adolescentes adentraram os mistérios da sexualidade com o famoso comercial do
primeiro sutiã que mostrava uma garota pré-adolescente ganhando seu primeiro
sutiã do pai. Sutil e bonito foi quase uma aula para muitos garotos e garotas
para aceitarem as transformações em seus corpos e lidarem com isso. Hoje em
dia, um comercial desse tipo seria impensável. Estrearia num dia e no dia
seguinte teríamos um vídeo irado de alguém afirmando que o comercial
incitava a pedofilia.
Amigos desenhista que divulgam
seus trabalhos no Facebook costumam reclamar que qualquer desenho um pouco mais
sensual é imediatamente denunciado por pais preocupados caso seus filhos vejam
aquela imagem. A paranóia por parte dos pais de impedir os filhos de terem
contato com qualquer coisa que tenha mínima relação com o sexo em alguns casos
alcança níveis extremos.
Não admira que a área da
medicina que mais cresca seja exatamente a das disfunções sexuais.
Superprotegidos de qualquer contato com qualquer coisa que lembre sexo, a nova
geração fica totalmente perdida quando finalmente adentra na vida sexual (e, no
outro extremo, as crianças criadas sem nenhuma orientação, cuja entrada na vida
sexual é acompanhada de doenças e principalmente gravidez indesejada).
Proteger as crianças virou
desculpa para proibir qualquer coisa. Não faz muito tempo, um deputado e
delegado da polícia federal pediu a proibição do filme Ted com a justificativa
de que não era adequado a crianças. Pouco importava que o filme fosse
direcionado a adultos. O importante era proteger as crianças e criá-las numa
bolha, longe de qualquer coisa que os pais considerem inadequado.
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