domingo, abril 02, 2017

O uivo da górgona - parte 27


27
O cenário era de guerra. A sala se tornara uma miríade de desastre e caos. Havia uma televisão quebrada no centro dela. Era uma TV antiga, de tubo, e seus pedaços haviam se espalhado por toda a extensão do tapete central. Um telefone pendia, inútil, da parede, como uma cobra morta. O sangue no chão se misturava a restos de revistas de fofocas, as fotos de artistas recortadas em mil, o sangue se misturando aos sorrisos. Um elefante de porcelana jazia, destroçado, as patas que sobraram levantadas na direção do teto como numa súplica desastrada. As paredes nuas, com pedaços de reboco faltando, pareciam chorar os quadros caídos. Era praticamente impossível andar por ali sem pisar em algo.
Edgar e Sofia entraram primeiro. Foram andando devagar, na direção que a menina indicava.
Alan se abaixou e pegou algo no chão. Era um porta-retratos e mostrava a menina ao lado de um casal, em uma piscina. O homem e a mulher, muito jovens, sorriam para a câmera, mas a menina parecia triste, talvez porque o vidro se quebrara exatamente sobre seu rosto.

O lugar para onde a menina os levara era o seu próprio quarto. A destruição ali era menor, mas era igualmente assustadora: ursos de pelúcia rasgados, bonecas decapitadas, tinta escolar espalhada pelas paredes, livros infantis rasgados. Na parede o desenho de um palhaço rasgado.
A menina pegou uma mochila rosa, provavelmente a que usava na escola, e começou a enchê-la de roupas. Pegou também um cachorrinho de pelúcia, o único que havia escapado à fúria destruidora. Quando o encontrou, debaixo do guarda roupa, o rosto da menina se iluminou em um sorriso. Ela o agarrou junto ao peito e fechou os olhos por alguns segundos, como se o seu contato macio a fizesse esquecer todo o horror pelo qual passara.
- Vejam, encontrei um celular ainda com carga. – anunciou Alan, entrando no quarto. Podemos...
Mas não terminou. Jonas, que estava junto à janela, fez sinal de silêncio. Ele olhava para baixo, os olhos espantados, a face branca como um fantasma.

- Deus nos ajude! – murmurou. 

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